Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Orgulho do Ginásio Estadual e Escola Normal

Minha mais tenra Itápolis se orgulhava de ter seu Ginásio Estadual e sua Escola Normal, com direito à Escola de Aplicação, que servia para que os futuros professores fizessem treinamento e aperfeiçoassem seus processos didáticos. A Escola de Aplicação funcionava num prédio situado à Avenida 7 de Setembro, num terreno onde é hoje a casa do Sílvio Francischetti. Com a evolução do ensino e as mudanças estruturais das escolas, este prédio serviu mais tarde para o Curso de Madureza, hoje conhecido como Supletivo, e outros cursos avulsos.

Funcionários da Prefeitura abrindo valeta para encanamento de água e esgoto na Avenida dos Amaros

Itápolis avançava no Ensino, mas ainda não tinha água encanada nem rede de esgoto. Lembro-me do poço que tínhamos no quintal de nossa casa. Mas alguns anos se passaram e de repente a cidade começou a ser alvo da construção de enormes “trincheiras”, parecidas com as que víamos no Jornal que era exibido antes do filme do dia, no cinema do Polachini. Eram as trincheiras da 2ª Grande Guerra, ou 2ª Guerra Mundial que o mundo travava então. Por essas “trincheiras” iriam passar os tubos hidráulicos e as manilhas de barro da rede de água e esgoto de Itápolis. Enquanto os tubos e as manilhas não vinham, brincávamos de bandido e mocinho, de esconde-esconde, de cruzado, varando de uma “trincheira” pra outra, pelos orifícios que as interligavam.

 

 E voltávamos pra casa imundos, levando surras memoráveis  de nossas mães enfurecidas! Enquanto nossa rede de água e esgoto não vinha, tomávamos banho de “Tiradentes”, assim chamados aqueles tambores de 50 lts que eram erguidos por grossas cordas, como na forca, levando água fresca ou morna, que saia pelo fundo do latão, cuja tampa era içada por uma armação de arame. E a água jorrava deliciosamente pelo chuveiro soldado na base do tambor. Muita gente ainda deve se lembrar do famoso “Tiradentes”.

Jornal "O Progresso" - edição de 23 de novembro de 1968

A água encanada chegou, aterrando os velhos poços, também chamados de cisternas e as fétidas fossas das “casinhas” do fundo do quintal. Agora tínhamos o conforto dos banheiros instalados dentro de casa, não havendo mais a necessidade de sair ao quintal para o banho ou para as necessidades fisiológicas. Para meu pai, que era encanador, foi um período próspero com muitas instalações de banheiros. E algumas histórias pitorescas, como a de uma das freguesas que, assistindo meu pai instalar o bidê do banheiro comentou: “Seo Vicente,  não sei por que este chuveirinho  tão baixo! A gente vai precisar abaixar este tanto pra lavar o rosto!” É lógico que meu pai ficou sem resposta, como ia ele explicar aquela ingênua senhora que não era bem o rosto que se ia lavar no bidê?

 

Também nesta época Itápolis conheceu a escassez provocada pelo estado de guerra mundial, com os racionamentos de gasolina, de açúcar, de óleo de cozinha, de leite em pó, etc. O Brasil ainda era um pais “eminentemente agrícola” , tinha poucas indústrias, importávamos quase tudo. Lembro-me que o leite em pó que minha mãe mandava comprar na farmácia do Seo Mucari, chamava-se Edelweiss, lia-se edelváis, vinha da Alemanha e custava o olho da cara. Ferramentas agrícolas, tesouras, alicates de unhas, ferramentas de oficinas, tudo vinha da Alemanha. Na escola ainda usávamos caneta tinteiro com pena comum ou mosquito, que comprávamos ou na papelaria do Seo José Gentile ou na Papelaria  Progresso do Seo Roberto Del Guércio. E por falar nisto, é preciso lembrar que estas duas casas comerciais acumulavam as funções de papelaria, livraria, tipografia e redação dos dois jornais de Itápolis: “A Ordem”, dirigida pelo Sr. José Gentile e “O Progresso”, dirigido pelo Sr. Roberto Del Guércio. Os assuntos deste último parágrafo serão objeto de nosso próximo artigo.