Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Gente que planta e colhe amigos"

Eu devia ter 10 ou 11 anos de idade quando nossa família lotou o Fordinho 29 do Sr. Antonio Compagno, emprestado ao meu pai, como era comum acontecer, para irmos almoçar na casa do Sr. Severino Cuco, administrador da Fazenda Tapada, de propriedade do Sr. Carlos Vessoni.  Saímos lá pelas 9 da manhã de um domingo ensolarado, pegamos a estrada de terra que vai pra Borborema e entramos por uma estradinha particular,  uns 2 quilômetros antes do Ribeirão dos Porcos.  Atravessamos diversas propriedades até chegarmos ao casarão, onde viviam o Sr. Severino, dona Miquela, sua esposa, o Paulo, a Dita (Benedita), a Nefa (Genoveva) e o Deolindo, seus quatro filhos.  

Eu, o Roberto e a Maria Isabel logo estávamos correndo pelos pastos, atrás dos leitõezinhos, dos cabritos e das galinhas, enquanto a Zizinha e o Romeu ficaram de papo com os filhos do Sr. Severino. O almoço foi-nos servido numa mesa enorme, feita de tábuas sobre cavaletes, lá pelo meio dia e meia. Depois de saborearmos os quartos de leitoa, o frango assado, recheado com farofa de miúdos, os adultos foram ver a criação; em seguida os homens foram até o Ribeirão dos Porcos, que banhava a fazenda. Assim ficamos por lá até quase 6 horas da tarde, quando, empoleirados no Fordeco, partimos de volta pra cidade.

Já escurecia quando passávamos diante da sede de uma fazenda e  aconteceu o inesperado: o Pé-de-bode (como era chamado o Ford 29) enguiçou. Meu pai apeou, levantou uma das laterais do capô e exclamou: “É o radiador que ferveu. Vamos pedir água ali na casa dos Marconi”. Logo apareceu um senhor simpático e acolhedor, trazendo um regador cheio d’água e advertindo: “Vicente, vai ser preciso esperar esfriar este radiador!”, com o que meu pai concordou. “Por que vocês não descem e vão lá pra casa pra esperar o Vicente cuidar do Pé-de-bode? Isto mesmo, desce todo mundo e vamos pra lá!”  Ninguém se fez de rogado e logo estávamos na varanda  acolhedora do casarão. O Sr. Umberto e a Dona Zulmira nos acomodaram; logo apareceram um menino de uns 13 anos de idade e mais um garoto de uns 10 anos; soubemos que se tratava do Iraci e do Bertinho. O casal tinha uma filha moça, a Aparecida, “Vocês a conhecem, ela mora na cidade, pois está no Ginásio, é a Cida!”  Toda aquela simpática hospitalidade nos encantava. Serviram-nos água fresquinha, ofereceram quitutes e o papo corria solto. O radiador esfriou, mas cadê que o Fordinho pegava! Não teve jeito, “Parte elétrica”, decretou meu pai, que tinha prática de mecânico.  E agora?

Não demorou um minuto para que o casal de fazendeiros nos recolhesse, de mala e cuia, pra dentro do casarão. Dona Zulmira  logo providenciou uma sopa suculenta e muito saborosa. A escuridão do campo logo nos convidou a ir logo pra cama, apagaram-se os lampiões e as lamparinas e passamos a noite naquela casa e com aquela família que, ambos, caíram do ceu. Pela manhã tomamos leite no curral, guiados pelo Iraci, mocinho esperto, que dominava a lida com vacas e bezerros, ganhando minha admiração. Meu pai conseguiu fazer o Pé-de-bode pegar, nos aboletamos dentro dele e muito agradecidos a tanta bondade e simpatia, voltamos pra casa, na cidade. O tempo passou, eu já cursava o ginásio, quando fui saber que aquela gente boa era da mesma família Marconi, da cidade.

Os Marconi, família provinda da Itália, mais precisamente da região de Mântova, tinham no Sr. Domício e na dona Dálice, o seu esteio. Ambos tiveram 11 filhos, sendo 4 homens e 7 mulheres. O mais velho dos homens era o Carlos.  O Sr. Umberto, o da fazenda, que todos chamavam de Alberto,  era irmão do Guilherme, marido da Dona Zita, que vinha da família Torres e tinham um casal de filhos: o Cléber e a Cleuza; moravam numa casa ali na Rua Padre Tarallo, vizinhos dos Brudenhausen. As Marconi, como eram conhecidas, moravam numa casa com varanda arredondada, logo ali na esquina do Grupo Escolar Júlio Ascânio Mallet e da Av. Florêncio Terra. Lembro-me bem da Maria, da Adelina, que tinha uma filha linda de dar gosto, a Ieda, lembro-me bem da Carmelina, da Julieta, da Clotilde e da Rosa.  Minha avó materna, Vó Nenê, foi vizinha delas por largo tempo, o que propiciou uma forte amizade entre as duas famílias. Também me lembro do Romeu, um dos mais novos da família, que morava ali por perto, numa casa que ficava pra cima do Tiro de Guerra (hoje Câmara Municipal). O Romeu  era conhecido como Romeuzinho Marconi.  Curiosamente, no mesmo quarteirão, lá na esquina da Av. 7 de Setembro com a Av. dos Amaros, bem defronte à casa de minha avó Nenê, ficava a casa e a oficina mecânica de outro Sr. Marconi, que não tinha nenhum parentesco com a família do Sr. Domício.  O José, filho daquele mecânico, fez carreira de locutor no Rádio, começando na nossa ZYQ-4 e alcançando, com sua bela voz e dicção impecável,  o horário nobre da Rádio Record de São Paulo, nos seus tempos áureos. Os itapolitanos tinham muito orgulho deste filho da terra.

No ginásio eu pude conhecer melhor o Iraci, o menino esperto com jeito de vaqueiro. A lembrança daquela noite memorável nos levou a ser amigos, embora nem tão chegados, dadas as circunstâncias, morávamos longe um do outro. Mas sempre sobrava uma troca de sorrisos e os acenos amistosos. O Bertinho já pertencia à geração mais jovem. Mas, isto não me impediu de conhecer seus dotes de moço generoso,  gentil e de conduta irreprimível. A Cida, de uma geração acima da nossa, se destacava na prática de basquete e de vôlei.

Assim como os Marconi, famílias numerosas e de participação positiva no desenvolvimento de nossa cidade cento-e-cinquentona, como os Mallet Cyrino, como a família Porto, os irmãos Ceraico, os Romanini, os Miqueletti, os Manicardi, os Santoro, os Martelli, os Renesto, os Pace, os Gianzanti, os Nori, a família Cavichiolli, os Dal Rovere, a família Rodeguer,  enfim tanta gente boa e operosa que, com inúmeras famílias que ainda não citei, fizeram parte da grandeza de nossa cidade. E olhem que eu só falo dos tempos idos, anos 30, 40 e 50. Nesta época, muitas das famílias que hoje formam a população de nossa cidade, vivam nos sítios e nas fazendas e não estava ao meu alcance conhecê-las bem.