Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis - Família Nigro III

Vicente Nigro, já com seus cabelos grisalhos

A vida de meu pai mudou depois que seu filho mais velho, Nicolino, tendo ganhado o mundo e conhecido os segredos do comércio,  veio passar férias em casa. Foi logo no início do pós-guerra. Lembro-me que na hora do almoço ele fez uma observação: “Papai, sabe por que o senhor não aumenta a venda da sua bomba? É porque ela é feia, tosca demais, não tem nenhum atrativo que faça o freguês parar e comprar! Vamos estudar um novo desenho pra ela e o senhor vai ver!”  Meu pai tentou desqualificar aquela avaliação, rebatendo com o argumento de que o que valia era o desempenho da máquina! Mas a observação de seu filho ganhou adeptos, minha mãe, o Romeu, a Zizinha. Tanto que meu pai e meus irmãos passaram a desenhar o novo modelo. Como meu pai e a Zizinha, eram excelentes nos traços, hoje seriam o que chamam de “designers”, não foi difícil a criação de um novo visual para a bomba de corrente, baseada na antiqüíssima invenção chinesa, a corda com nós espaçados com que eles extraíam água dos poços.

Nota de Empresa Irmãos Nigro, de 12/10/1932

Esta forma de extração foi evoluindo através dos séculos, até chegar à bomba de corrente. O que o Vicente Nigro fez, que lhe valeu a patente do Ministério da Fazenda, foi que ele introduziu uma rodela de borracha a cada metro de corrente, fazendo com que a água subisse não só pelos elos, mas também por essas borrachas, aumentando o volume de água extraída. Em seguida, Vicente viu que se ele fizesse a corrente subir dentro de uma tubulação de 2,5 polegadas, com as borrachas 2 milímetros menores, se ativaria o processo de sucção, aumentando consideravelmente o volume d’água extraído. Foi este o aperfeiçoamento que valeu a Vicente Nigro e a mais ninguém,  o status de inventor, reconhecido pelos peritos e técnicos do Ministério da Fazenda. E agora a bomba estava de roupa nova, toda construída em metal, a polia e a manivela eram feitas pela fundição Cestari de Monte Alto, a capa e a pintura, em tinta alumínio, eram feitas na própria oficina!

A nova Bomba Nigro conheceu, daí por diante,  uma grande explosão de utilização no campo, colaborando de forma direta com a expansão da água encanada nas fazendas e sítios. A demanda cresceu tanto que foi preciso contratar mais empregados, modernizar a oficina primitiva, ampliar as instalações para atender o crescente número de encomendas. Estava assim criada a primeira indústria metalúrgica de Itápolis. O produto se espalhou pela região, rompeu fronteiras, uma rede de revendedores foi criada, foi preciso aumentar a frota de veículos para transportá-lo. Logo aportou em Itápolis um representante dos Diários Associados de São Paulo que veio buscar um novo anunciante, as já famosas Bombas Nigro. E aquela indústria nascente e próspera passou a patrocinar programa em horário nobre da poderosa Rádio Tupi de São Paulo.  O sonho de Vicente Nigro, um apaixonado por Itápolis, se realizava, deixando-o orgulhoso e feliz ao ouvir o nome de Itápolis ecoando pelas ondas da Rádio Tupi. Foram anos de muito trabalho, de muita dedicação, mas também de enorme animação, de prosperidade. Meu pai e meu irmão Romeu não tinham tempo pra mais nada senão trabalhar, produzir. Os empregados, como o Alexandre Pace, o Tavinho Torres, o Osmar e muitos outros faziam parte desta animação e parte da família.

Longe dali, estudando e trabalhando em São Paulo, eu tinha notícias de todo esse alvoroço pelas cartas de minha mãe, ou quando meu pai ia a São Paulo, hospedava-se na minha pensão e eu ia com ele à Rua Florêncio de Abreu para comprar mais uma máquina elétrica, um novo motor. Vestia ele duas calças, no bolso da de cima guardava alguns trocados, no bolso da de baixo, o dinheiro graúdo, que era pra pagar as compras. Quando concluía o negócio, pedia pra ir ao banheiro, onde tirava do bolso escondido a importância pra pagar no caixa. Meu pai não usava cheque, não usava serviços bancários, resistia à tentação de ampliar seus negócios à custa de financiamentos. Era dinheiro juntado que propiciava as compras, sempre a dinheiro.

A maioria dos homens de negócios, de pequenos empresários daquela época agia assim, tanto que Itápolis, por muito tempo, tinha só dois bancos: o Banco São Paulo, que funcionava onde é hoje o Banco do Brasil, antiga Nossa Caixa, e o Banco Comercial de São Paulo, onde é hoje o Banco Itaú.

Tudo isto um dia chegou ao seu termo, meu pai morreu no início de 1969, alguns anos depois a Industria de Bombas Nigro também se extinguiu, os anos se passaram e poucos hoje se lembram de sua existência. Entendo que a vida é assim mesmo, tudo um dia encontra seu fim, não vale a pena, pois, chorar sobre o leite derramado.

Isabel e Vicente foram meus guias, ensinaram-me com seus exemplos que a vida é luta, é doação sem contrapartida,  dar sem exigir retorno. Com eles aprendi a valorizar a humildade, a ignorar a arrogância. Suas vidas foram luta constante, sem trégua. E o que colheram desta luta?  Primeiramente o nosso respeito e o conceito de gente decente.  Isto já é uma vitória na vida. E o que mais nos importa, a nós seus descendentes, é que podemos olhar pra trás, erguer a cabeça e seguir em frente.

Apesar de tudo o que este homem simples significou para nossa cidade, este cidadão trabalhador, humilde, que viveu para construir um sonho, sem alardes, sem barulho, sem empáfia, nem ostentação, tudo indica que deve ter caído no esquecimento, pois  nem mesmo uma placa dando nome a uma rua sem importância até hoje lhe foi dedicada, mesmo que fosse apenas pra fazer companhia  a seus amigos que mereceram esta lembrança. Espero que a Associação Comercial e Industrial, da qual foi membro, espero também que membros dos poderes Legislativo e Executivo do Município reencontrem  a imagem dele em suas memórias para que um cantinho mesmo afastado desta cidade marque a passagem deste cidadão  pela terra que ele tanto amou e enalteceu. Como seu filho, não poderia deixar de fazer este registro na minha crônica de número 100.