Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis - Família Nigro II

Naquela velha casa da Av. Francisco Porto, entre a Rua 13 de Maio e a Bernardino de Campos, crescemos todos, filhos da Catarina com filhos da Bebé.  Eu era o mais velho da nova safra e vi nascerem o Carlos Antônio, o Vicentinho, o Roberto, a Maria Isabel, a Maria Cecília, a Maria do Carmo, vi as várias gestações bruscamente interrompidas de minha mãe, como vi também saírem os caixõezinhos brancos do Carlos Antônio, do Vicentinho, da Maria Cecília, da Maria do Carmo. Naquela mesma velha casa, que era de meus três irmãos mais velhos, ouvi a vida inteira o barulho de meu pai que se levantava antes da 5 horas, punha lenha no fogão, feijão pra cozinhar,

Zizinha no 50º Aniversário de seu esposo Jacintho Mazzo

depois batia o portão e saía pra ir buscar o pão, em certos dias a carne, depois fazia exalar o cheiro do cafezinho do coador e logo iniciava sua lida na oficina do quintal. Minha mãe, que trabalhava na costura e nos trabalhos manuais (bordados, crivos, colchas de retalho) até muito tarde, logo vinha nos chamar pra irmos pra escola. A lida diária era constante e pesada e era distribuída entre todos. O Nico cuidava da horta, o Romeu ajudava na oficina, a Zizinha na lavagem de roupa, a mim cabia moer o café, ir às compras pra minha mãe. No dia da lavagem da casa, todos entrávamos em ação. Apesar da nossa condição de pobreza, dávamos muitas risadas, cantávamos, não dávamos bola pra tristeza, éramos felizes.

Na nossa sala de visitas havia um quadro com o retrato de uma mulher morena, muito bonita, cabelos negros em penteado de pastinhas, abaixo do quadro um suporte de madeira onde jazia um jarrinho, no qual minha mãe colocava um ramalhete de flores silvestres, que trocava toda semana. Era a nossa santa, até o dia em que perguntei pra minha mãe “que santa é esta?” e ela me explicou: “esta é a mãe do Nicolino, da Zizinha e do Romeu, ela está no Céu, ao lado de Jesus”...  Nunca me lembro de ter questionado a existência de outra mulher na vida de meu pai. Era a mãe dos meus irmãos e nada de meio-irmão, de meio-irmã, eles eram meus irmãos queridos, irmãos inteiros, como eram filhos queridos de minha mãe também. Assim vivíamos nossa família, rica de filhos, de filhas, de mães e de anjinhos. E rica de tios também, pois, além dos 5 tios do lado Nigro e dos 7 tios do lado Sene, tínhamos os 4 tios do lado Pacce. Tio José e tia Amelinha, tio Agostinho e tia Amélia, tio Vitório e tia Léia e o tio Micúccio (Domingos) eram tios de todos nós,  filhos da Catarina e filhos da Bebé, os amávamos e respeitávamos. Éramos tão chegados a eles como aos outros tios. Assim sendo, tínhamos um montão de primos e primas, o que enriquecia nossos laços familiares.

Vicente Nigro, já com seus cabelos grisalhos

Para ajudar meu pai, que naqueles anos trinta já teimava no seu invento, naquela bomba de extrair água de poço, movida por uma polia de madeira, um monte de correntes entremeadas de rodelas de borracha, mas que tinha pouca saída, rendia pouco pra família, o que valia eram os regadores, os torradores cilíndricos e de bola, as canecas, que meu pai e o Romeu faziam. E também ajudavam os pensionistas que vinham das cidades vizinhas para estudar no nosso velho Valentim Gentil.. Nossa casa era ruidosa e alegre, sempre cheia de gente, gente jovem como os primos Damásio e Mauro Deri, o Deolindo Gomes, o Sílvio Tozzi, os primos Vidal e Cícero Haddad, o Leontino   Arantes, todos de Ibitinga e a normalista Olinda Xavier, de Tabatinga, todos  parte da família. A vida não era fácil, mas a enfrentávamos com alegria.

O Nicolino logo começou a trabalhar na Casa de Ferragens do tio Antonio e também ajudava no orçamento. A  Zizinha, menina endiabrada, que trepava nas árvores do quintal com a desenvoltura dos macacos, na lida era um pé-de-boi. Cantava o tempo todo e nas horas de folga ia correndo para o espelho onde dava vazão à sua vaidade. Era bonita minha irmã Zizinha, minha eterna companheira de quarto e de cochichos.

Depois da escola, da ajuda em casa, chegava a hora de tomarmos banho debaixo do chuveiro Tiradentes. Arrumados e penteados pela Zizinha, íamos pra frente da casa conversar com os amigos da vizinhança, ou íamos ao Posto Atlantic do Sr. Armentano, onde o Cocada nos oferecia o banco e as histórias que inventava. Enquanto isto, nosso pai continuava trabalhando na oficina, debaixo de um bico de luz. Era esta dedicação ao trabalho que me fazia admirá-lo como um super-heroi. Foi esta bravura honesta, com tão pouco retorno financeiro, que me fez crescer valorizando o trabalho e relegando a segundo plano a riqueza material, valores que conservo sempre comigo, mesmo que me valham a pecha de comunista, de subversivo, eu que nunca entrei numa reunião de partido político e nem fui lembrado para ali entrar. Meus valores vieram dos exemplos de meus pais, de meus irmãos, da vida que, junto deles, eu vivi.

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