Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Famílias!

Eu já disse que a minha mais tenra Itápolis tinha famílias muito numerosas, com ramificações por outras famílias da cidade; às vezes a gente se surpreendia ao descobrir que a esposa de um vizinho seu, tão integrada à família dele, era filha de outro vizinho seu e ninguém comentava, pois vivíamos tempo em que o sobrenome do chefe da família ofuscava completamente o sobrenome de solteira de sua esposa. Fiquei pasmo quando descobri que a Dona Nina Scaramuzza, esposa do Sr. Henrique, mãe dos meus amigos Valdemar e João, era Vessoni, como meu vizinho da direita. Levou uma vida pra eu descobrir isto.

Agora, pondo minha memória a relembrar a maravilhosa família dos Del Guércio, pedi ao Sinibaldi que me esclarecesse algumas ramificações de sua família e qual não foi minha surpresa ao descobrir, só agora com quase oitenta anos, que o Raphael Mercaldi era irmão da dona Maria, esposa do Sr. Salvador Del Guércio, pai do Sinibaldi, pai do Sini, da Julieta, que foi bibliotecária do Valentim Gentil no meu tempo, da Anita que se casou com o engenheiro alemão de nome Schöber e tiveram quatro meninas de cabelos avermelhados umas, aloirados outras, e que atendiam pelo nome de Arlete, Elfrida, Marli e Rosália. Esta família conheceu as agruras do preconceito contra os alemães nos duros anos da II Grande Guerra, por isto nem sempre estava reunida em Itápolis, lembro-me bem disto. Depois dela vinha o Roberto, que herdou a direção de “O Progresso”, jornal fundado pelo Sr. Salvador; outro era o Ludovico, o moço alto sempre de terno branco e de gravata borboleta vermelha, que por muito tempo carregou nas costas o Serviço de Alto falantes de Itápolis, do qual era locutor. E por fim o caçula da família, o Arthur, que conheci magrinho, alto, ainda jovem, mas com entradas bem visíveis, que junto com o jovem professor Ernesto Ferrari, mantinham o Curso Preparatório de Admissão, que funcionava num dos salões do prédio comercial que começava na esquina da Francisco Porto com a padre Tarallo, salão  que, mais tarde, virou a oficina dos irmãos Martoni. O Professor, mais tarde Doutor Arthur Del Guércio, já advogado, ingressou na política partidária, casou-se com a Eunice Santarelli, filha de Dona Maria Cardamoni, esposa do Sr. Victório Santarelli e excepcional cozinheira; talvez isto explique a transformação do magrinho  professor Arthur, no gordinho Dr. Arthur.

Vista do prédio(1º à direita) onde funcionou, por muito tempo, a gráfica que imprimia o Semanário "O Progresso", onde hoje(2011) está instalada a loja Cacau Show

O Sr. Salvador Del Guércio veio, com seus irmãos Raphael e Paschoal, da região sudoeste da Itália, província de Salerno, sub-região de Campana, perto de Nápole, mais precisamente da cidade de Lentiscosa, região esta de onde vieram muitos imigrantes que se enraizaram em Itápolis. É só procurar a origem dos seus bisavós que muitos vão bater em Lentiscosa(de onde veio o Padre Salvador Tarallo), como outros em Cocenza, na Calábria, Treviso, Catanzaro, Mantua, Sicilia. Etc.  O Sr. Salvador teve vida curta, dirigia o “Progresso”, quando morreu, em 1930. Aí o Roberto, que se havia casado com a Nina Compagno, levou a gráfica, que funcionava no casarão da 7 de Setembro, para o prédio em que funcionou, atrás da livraria e papelaria, até seu fechamento, ali na Valentim Gentil, defronte o prédio que foi do ginásio e da prefeitura(2011-Cacau Show). Como eu dizia no começo, eu só podia fazer confusão com os dois Raphaeis, o Mercaldi e o Del Guércio, que morava numa casa recuada, muito bonita aliás, lá na antiga Rua Rui Barbosa (Odilon Negrão), já  perto de onde é hoje o Colégio Valentim Gentil. Eu nunca sabia qual deles era o maestro da banda; também pudera, ambos tinham vínculo com a mesma família!

Além do Raphael, o Sr. Salvador tinha mais um irmão, o Sr. Paschoal, como já citei. Lembro-me bem dele; ainda menino já o conheci grisalho, sempre de terno escuro e chapéu cinza-azulado, era amigo do tio Antônio Rodrigues, casado com tia Olívia, irmã de meu avô Orestes. Ambos reuniam-se com seus amigos, Sr. José Ramalho, Sr. Raphael Gentil, Sr. Tonico Ismael entre outros, ora num dos bancos da praça Pedro Alves de Oliveira, ora nas mesinhas do Boulevard Itápolis. Nesta época o Sr. Paschoal era proprietário do Hotel Modelo, ali na esquina da Florêncio Terra com a José Trevisan (antiga José Bonifácio). E seu hotel era realmente um modelo no ramo. Era chique ir com a família ou os amigos, jantar no Hotel Modelo. Foi lá meu primeiro jantar fora de casa, ainda meninote, a convite do tio João e da tia Loreta, irmã de minha mãe. Fiquei deslumbrado.

O Sr. Paschoal teve vários filhos: o Toninho, que foi dono do Boulevard, sucedendo o Sr. Manoel Borges, depois construiu e dirigiu o Cine Lyan, que tem este nome, formado por Ly de Lydia Brunelli, sua esposa e an, de seu nome Antonio; se não estou enganado, Caetano, o Caetaninho, casado com dona Brígida, pai da Marília e da Marisa, também era filho dele. Pelo menos parecia-se demais com a Dona Leonor, outra filha, que foi casada com o Toninho Vessoni (que é Ricieri só nas placas da rua). Dona Leonor, mãe da doce Eneida e do simpático Carlos, era irmã desta criatura maravilhosa, simpática e já centenária, a Dona Laura Del Guércio Monteiro, que conheci tão bem, como membro do nosso querido Colégio Estadual e Escola Normal Valentim Gentil. Foi casada com o José, irmão do médico Dr. Luís Monteiro e do dentista Waldemar Monteiro, marido da Moira Inácio, irmã do Toninho e do Caé. Ela e o José tiveram a bênção de dois filhos gêmeos, conhecidos de vocês todos.

Falando desta gente maravilhosa, sinto-me agora transportado para aquela Itápolis de minha infância e juventude e isto me faz muito bem.