Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"O que e porque escrevo"

Já são várias crônicas nas quais abordo como viviam famílias da Itápolis dos velhos tempos. Já falei dos Vessoni, dos Armentano, dos Monzillo, dos Brunelli, dos Lutaif, dos Feres, da família do Sr. Claudovino Rodrigues e tantas outras que meus leitores mais assíduos já sabem. E ainda tenho muitas famílias a abordar, só peço a Deus que me dê saúde e aos amigos Izilda e Valentim que me deem o espaço pra eu continuar nesta lida. É preciso, mais uma vez, que eu esclareça certos pontos que podem estar causando alguma estranheza por parte de leitores.

Primeiro ponto é que eu escrevo sobre uma época delimitada entre os anos 30, 40 e início dos 50, época em que vivi na cidade, onde nasci, aliás. Tive uma vida intensa, participativa, era um itapolitano muito conhecido dos antigos moradores. Desde pequeno andei por toda parte da cidade, tinha amiguinhos de todos os lados, colegas de escola, muitos parentes, principalmente do lado dos Sene, família muito mais numerosa do que os Nigro. Na juventude participei de programas da nossa ZYQ-4, Rádio Difusora de Itápolis; participava com meu violão de programas musicais e fiz muitas serenatas nas noites e madrugadas de sábado pra domingo, na companhia do Geraldo Hauers, o Baianinho, do Victor Basílio, do Piracicaba, que trabalhava na Padaria Garnier, do Geraldo Mallet. 

Tanta popularidade assim não me dava, no entanto, tinha a oportunidade de saber detalhes das famílias que eu frequentava ou simplesmente conhecia. Eram outros tempos, certos assuntos ficavam restritos aos adultos e, de preferência, às próprias famílias. Por esta razão, embora eu tenha conhecido e convivido com tanta gente, preciso de uma ajudinha dos remanescentes dessas famílias. É o que tenho feito e ganho com isto muitas informações interessantes e algumas bem surpreendentes.

Outro aspecto que quero ressaltar é que muitas famílias que hoje se destacam na vida da cidade, seja no comércio, na indústria, na agro-indústria, no ensino, nas instituições sociais, religiosas e políticas, se não as menciono é porque naquela época ou não viviam na cidade, espalhavam-se no campo, ou moravam e viviam em outros lugares, mudando-se para Itápolis  depois que eu perdi contato com o cotidiano da minha terra natal.

Depois que eu saí, muitos dos antigos lavradores, fazendeiros, chacareiros, saíram do campo e se instalaram de vez na cidade, onde trocaram suas antigas atividades por novas profissões, novos empreendimentos, cresceram, fizeram um nome de destaque. É bom lembrar que nos anos 60 houve uma verdadeira revolução social neste país, o campo foi rapidamente evacuado, as famílias transferidas para a zona urbana, criou-se uma nova categoria de trabalhador, o bóia fria, que depois também foi-se adaptando à vida urbana e assimilada pelas atividades próprias dela.

Um exemplo é bem vivo e importante para mim, a família Mazzo. Quando eu aqui vivia, os Mazzo eram típicos cidadãos do campo. Exerciam funções importantes na época, pois participavam do abastecimento dos alimentos naturais, produzidos por um verdadeiro cinturão verde que circundava nossa cidade, como cereais, café, frutas, hortaliças, pequenos animais de corte, como cabritos, leitões, aves. O Sr. Antonio Mazzo e seus filhos ajudavam muito nesta tarefa, pois tinham um verdadeiro sítio, que ia desde a estradinha que levava ao Balthazar, até os barrancos da estrada de Itajobi; assim como os Manginelli, parte dos Gianzzanti ou Janzanti, como alguns assinavam, os Cavicchiolli e tantos outros eram de suma importância para nossa velha Itápolis.

As coisas mudaram muito, com a morte do Sr. Antonio Mazzo, Dona Verônica, a viúva, preferiu entregar a propriedade para os filhos que, por serem muitos, acharam melhor vendê-la e cada um pegar sua parte. O Jacintho, já casado com minha irmã Zizinha, deixou a casa do sítio, tornou-se administrador da Fazenda Caetê, lá pelas bandas do Quadro, mais tarde transferiu-se para uma fazenda bem maior, encostada em Nova América e quando os filhos começaram a nascer, mudou-se para a cidade.

O Luís Carlos, o conhecido Lilo, dava seus primeiros passos, o Antônio Vicente, o Tony, era ainda de colo, quando  Jacintho passou a trabalhar com meu pai e meu irmão Romeu, na  indústria de bombas de poço, as Bombas Nigro; ali aprendeu rapidamente a profissão de encanador e, como era uma criatura predestinada a grandes empreendimentos, temperamento irrequieto e atirado, entrou num acordo com meu pai e partiu para o que hoje podemos chamar de “carreira solo”.

Montou sua própria oficina, trabalhador incansável, cresceu, ampliou seus negócios e fez um nome de destaque. Lutou muito este moço, teve sempre o auxílio incansável de minha irmã; conforme os filhos iam virando homens, passaram a vestir a camisa da empresa. Com a perda muito precoce do Lilo e mais tarde do Toni, os irmãos remanescentes, Celso, Paulo e Júlio, o Mazzinho e as meninas Eliana, a Nana e a Beatriz, a Bila, tornaram-se independentes, mas sempre unidos como família.

Falei dos Mazzo, que ainda não viviam na cidade, no meu tempo, mas se falei é porque são parte de minha família, nunca perdi contato com eles, apesar da distância; Jacintho, até sua morte em 1992, sempre foi muito ligado a mim, Zizinha era minha irmã e foi muito importante desde a minha primeira infância, seus filhos também tinham seus passos acompanhados por mim. Mas já não posso falar dos outros membros da família Mazzo, do Lourenço, da Antônia, da Maria, do Joanim, do Pedro, do Augustinho e de outros, porque não acompanhei a evolução deles, embora os quisesse muito bem.

Espero assim ter explicado e justificado quais são os meus critérios para a escolha dos temas familiares de minhas crônicas.