Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - Eleições

Domingo tivemos eleição, pesquisas de boca de urna, apuração, sorrisos e lágrimas. Toda vez é assim. Mas não foi sempre assim não. Na nossa mais tenra Itápolis, no nosso Brasil dos anos 40 e 50 a história era bem diferente. A minha geração viveu na infância e na puberdade a ditadura de Getúlio Vargas! Durante muito tempo a gente não ouvia falar em eleição, em campanha eleitoral, em título de eleitor, em

Getúlio Dorneles Vargas, o ditador da década de 1930/1940

vereador, em câmara municipal... A gente tinha o Getúlio lá no Rio de Janeiro, nossa capital, que despachava no Palácio do Catete; falava-se de alguns ministros de estado: lembro-me que um dos mais falados era um tal de Benedito Valadares, outro muito comentado era o Osvaldo Aranha, falava-se muito também num tal de Felinto Müller, que era o chefe da polícia e que parecia ser muito temido. Aqui no Estado de São Paulo a gente tinha o Adhemar de Barros, Interventor federal, quer dizer, um político nomeado pelo Getúlio para intervir nos negócios do nosso Estado. Cada estado tinha o seu interventor, no lugar do governador. Nos municípios os prefeitos também eram nomeados, as câmaras foram extintas pelo Estado Novo, que era uma forma de governo elaborada pelo Getúlio e proclamado no dia 10 de novembro de 1937; por causa deste tal de Estado Novo tínhamos mais um feriado em novembro e por causa dele a gente ouvia muito falar em “golpe de Estado”, Quer dizer então que não tínhamos eleição. Nas escolas, nas repartições públicas você via na parede da sala de aula, da diretoria, nas salas dos mandachuvas o infalível retrato do Getúlio. Antes de cada aula a professora pegava um livro pequeno, mas grosso, abria na página marcada e lia em voz alta pra todos os alunos, que tinham que ficar de pé, um trecho da biografia do Getúlio. A gente cresceu neste ambiente, neste clima político. Não me lembro de ter ouvido, nesta época da minha vida de criança e de pré-adolescente, a palavra “democracia”.

Ela surgiu aos nossos ouvidos no ano de 1945, algum tempo depois que acabou a 2ª Grande Guerra, em 8 de maio. O Getúlio tinha sido derrubado! Um grupo de militares e de juristas passou a governar o país. E preparavam a eleição! Palavra nova pra nós. Só os mais velhos sabiam o que era.

General Eurico Gaspar Dutra e Brigadeiro Eduardo Gomes polarizaram a eleição após Getúlio

E as eleições chegaram! Eram uma festa! Todo mundo ganhava distintivo dos partidos: União Democrática Nacional (UDN), comandada por alguns civis de peso e simpatizantes do Brigadeiro Eduardo Gomes, que lançaram como candidato à presidência; o Partido Social Democrático (PSD), comandados por outro grupo de civis de peso, que lançaram para presidente o General Eurico Gaspar Dutra, que diziam, à boca pequena, era amigo do Getúlio. Havia outros partidos, como o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Trabalhista Nacional (PTN), o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Partido Liberal )PL) e mais algumas siglas das quais agora não me lembro. A campanha girava em torno de PSD e UDN, Dutra e Brigadeiro polarizavam todo o movimento. E era tão diferente o modo de fazer campanha! Não havia horário político obrigatório e, se tivesse, seria só no Rádio, pois a televisão não era nem promessa. O grande veículo da campanha era o comício ao ar livre. Montava-se um palanque, numa praça, numa esquina  central, o povo era avisado por volantes, pelo rádio, pelo serviço de alto-falantes, à noite iam todos pra frente do palanque, os políticos lá subiam, um locutor anunciava os oradores e aí a coisa pegava fogo!

Vista parcial de um comício em Tapinas

Nós, os jovens, víamos nos comícios uma grande oportunidade pra namorar, pra flertar com as garotas e pra nos divertir com as papagaiadas que saiam no palanque. E a gente ia nos comícios de todos os candidatos. Se fosse em Tapinas, lá íamos nós na carroceria do caminhão, se fosse no Monjolinho, nas Antas, no São João, lá íamos nós. Não havia muita propaganda não, perto do que é hoje era uma tranqüilidade. O voto era feito em cédulas de papel, você tinha que ir consultar as listas de eleitores, afixadas na entrada dos prédio públicos, para saber onde você ia votar. E nestas listas o povo acabava descobrindo o verdadeiro nome de algumas pessoas muito

Dª Guilhermina Mallet Cyrino, a querida Dª Nhanhã com suas alunas

populares, mas com outro nome. Não é que na lista de eleitores apareceu um tal de Missislawa Kinestautas! Mas, quem é este homem, meu Deus do céu? A pergunta se espalhou pela cidade.  E quem é esta Guilhermina Mallet Cyrino? Quem vai saber agora?  Pois é, no dia da eleição quando chamaram “Missislawa Kinestautas! quem foi que se levantou? O Stanislau! O mecânico mais conhecido da cidade, homem comunicativo, sempre risonho e brincalhão! E quando chamaram a Professora Guilhermina Mallet Cyrino!  todos viram a Dona Nhanhã se dirigindo à mesa de votação. Quem diria que aquela criatura tão conhecida de todos, tão querida por ser prestativa, se chamava Guilhermina!

A democracia brasileira, como sempre, não era lá esta maravilha. Era frágil como é hoje, qualquer aventureiro charlatão, se espertalhão, pode jogá-la às feras. Mas era, na minha modesta opinião, menos sujeita ao poder econômico. Não havia os recursos incríveis da mídia, os efeitos especiais da TV, mas quem falava ao povo era o candidato mesmo, não o seu marqueteiro.  E palhaço podia se candidatar, mas tirava as vestes do ofício e se apresentava com a cara e a coragem, como cidadão, que tem nome e sobrenome!