Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis IX

Fachada do Hotel Modelo, com frente para a Rua José Bonifácio, hoje José Trevisan

Na minha mais tenra Itápolis havia 3 hotéis. O mais chique era o Hotel Modelo, que ficava na rua José Bonifácio, hoje José Trevizan, entre as avenidas. Florêncio Terra e dos Amaros. Outro era o Hotel Avenida, situado na descida da XV de Novembro (hoje Valentim Gentil, entre a Padre Tarallo e a José Trevisan). O outro ficava na praça Cônego Borges, chamava-se na época, quando eu era pequeno e freqüentava a escolinha da Dona Mazé, “Hotel Itápolis”. Havia muitas famílias que acolhiam estudantes que vinham das cidades vizinhas, assim formando as “pensões de estudantes”

À esquerda, Hotel Itápolis, situado na Rua Barão do Rio Branco, entre as avenidas Florêncio Terra e Amaros

Como já mencionei na crônica anterior, tínhamos duas pensões muito conhecidas e de características populares: eram a Pensão do Carlito Rola, num velho prédio onde está hoje a loja do Rubinho Guzzo e a famosa Pensão Mogiana, pra onde se transferiu a Casa Wady, já sob a direção do Sr. Nasry Abdelnur. Aquele trecho da Rua Padre Tarallo, entre a Francisco Porto e a Valentim Gentil, era onde funcionavam os pontos das jardineiras, coletivos abertos, com as laterais protegidas por cortinas de couro com visor de celulóide, o “plástico” daqueles tempos.

Ao fundo, Prédio da Pensão Mogiana, à frente Bar do Nino Celli, hoje Doçaria Pequeno Segredo e Papelaria Risk Rabisk

Mais tarde, as românticas jardineiras deram lugar aos  ônibus. Dali, daquele trecho, saíam carros para Matão-Araraquara,  Borborema-Novo Horizonte, Ibitinga-Bariri, Tabatinga-Nova Europa, Monjolinho-Itajobi, Taquaritinga, Tapinas. O quarteirão do Ponto, como a gente chamava, era bem movimentado e favorecia o comércio local.

Tínhamos a Casa Leão, de calçados, pertencente ao Sr. Rafael Gentil, pai do Nicolinha, que era Gentil, mas não era nem parente do Deputado.

Tinha o bar do Baroni, com sua mesa de snooker, as Casas Pernambucanas também se mudaram pra lá mais tarde; havia a Casa Cruzeiro, que trabalhava com tecidos.

A Papelaria Gentil, a Casa Brasil e a Agência da CPFL, com o Carlito Stocco como gerente, formavam a esquina com a Francisco Porto; o Bar do Nino Celli, a Matriz, a Casa Santa Cruz e um escritório de guarda-livros, compunham a esquina da outra extremidade do Ponto de Jardineiras.

Boulevard(hoje Ao Preço Fixo), o "point" da época, era frequentado por várias camadas sociais

Neste pedaço e no quarteirão paralelo de cima, onde ficavam a velha Pernambucanas, o Boulevard  Itápolis, o Cine Theatro Central, o Clube Recreativo e Literário de Itápolis, o Serviço de Alto Falantes, a Alfaiataria dos Lapenta e a Padaria do Sr. Vitório Santarelli, formavam o espaço freqüentado por homens de negócios, estudantes e também os tipos mais pitorescos da cidade.

Padaria e Confeitaria Santarelli, na esquina da Barão do Rio Branco com Francisco Porto, hoje Lotérica Cidade das Pedras

Itápolis tinha na época várias figuras muito curiosas. Pelo Centro transitavam, estacionavam ou perambulavam os chamados  “fins de linha”. Um deles era o bebum mais velho da época, o Pécora, que enchia a cara, ficava com os olhos vermelhos e quase fora das órbitas e resolvia virar pedinte nas esquinas em que estacionava, sempre acompanhado de um cachorrinho sarnento que ele chamava de Ciclone, vejam só.

Se na esquina da Casa Santa Cruz  você topava com o Pécora, na de cima estava a Pureza, uma moça alta, cabelo cortado na cuia., sempre de vestido até as canelas, que cantando pedia sua esmola. Quando caía a tarde, já no crepúsculo, eis que surgia a figura infalível  do Rico Piolla, nome com que era conhecido o Enrico Carelli, quase meu vizinho.

O Rico era irmão do Geraldo Carelli, cuja família morava numa casa situada na esquina da Campos Salles com a Bernardino de Campos, em frente à extinta Casa dos Dois Irmãos (o Fuad e o Camillo). O Rico era palmeirense fanático e se vestia todinho de verde, punha um chapeuzinho verde e subia para o Boulevard pra festejar a vitória do Palestra Itália, que a  II Guerra fez virar Palmeiras.

Mas, se aquele domingo era de derrota alviverde, ninguém achava o bendito, que sumia e só voltava a circular daí uns 3 dias. Outro tipo popular e um tanto carismático era o Leitão, cara forte e parrudo, que bebia, bebia, enchia a cara, mas não perturbava ninguém, perambulava em ziguezague pelas ruas do Centro e  mais tarde era encontrado dormindo num dos bancos de granito da Praça Pedro Alves de Oliveira, que a gente chamava de Jardim. Mas sobre o Leitão e sobre o famoso “Butina”, rei dos bebuns da velha Itápolis, vou escrever a próxima crônica, pois eles têm histórias que ainda não foram escritas.