Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis VIII

Na minha mais tenra Itápolis, resumindo, o comércio da época era muito movimentado, devido ao fato de a cidade não se situar perto de nenhuma metrópole regional, o que lhe conferia vida própria. Por esta razão Itápolis sempre teve excelentes médicos, grandes cirurgiões, boas farmácias e um comércio bem diversificado. Isto não acontece com cidades como Mirassol, colada a São José do Rio Preto, Orlândia, colada a Ribeirão Preto, que acabaram tendo comércio deficiente, visto que as viagens constantes de suas populações para o centro maior acabaram resultando em deslocamento das compras para o comércio da cidade grande. Em Monte Aprazível, onde morei vários anos, as pessoas vão até cortar  cabelo em São José do Rio Preto.

Itápolis sempre teve comércio próspero, só se enfraquecendo em períodos atípicos, como foi o período da 2ª Guerra Mundial, de 1939 a 1945, ou como o período pós golpe de estado de 1964, quando se instalou no Brasil uma crise econômica histórica. Mas aí todas as cidades sofreram estagnação.

Cine Lyan, onde hoje funciona o Banco Bradesco
Armazém do Monzillo, hoje Varejão da Qualidade, um dos armazens atacadistas da época

Tínhamos vários armazens atacadistas, o que fazia de nossa cidade um entreposto comercial para toda nossa sub-região. Estes armazens abasteciam o comércio varejista de Borborema, Itajobi, Ibitinga, Tabatinga, até mesmo Fernando Prestes e Santa Adélia eram fregueses de nossos atacadistas.

Eu destaco alguns estabelecimentos comerciais que fizeram história nesta cidade e pontificavam nos anos 30, 40 e até meados dos anos 50. A Pensão Mogiana, por exemplo, era uma espécie de hotel de características populares, que não se limitava a hospedar mensalistas mas fornecia quartos e vagas para viajantes que itineravam por nossas bandas. A Pensão Mogiana ficava na rua Padre Tarallo, para onde, mais tarde se transferiu a popular Casa Wady. O Boulevard Itápolis, defronte ao Cine Theatro Central dirigido nos anos 30 pelo Chico Guzzi, nos anos 40 pelo sobrinho do Cônego Borges, Manoel Pereira Borges, meu padrinho de batismo, nos anos 50, pelo Toninho  Del Guércio, casado com a Lydia Brunelli.

Boulevard(hoje Ao Preço Fixo), o "point" da época, era frequentado por várias camadas sociais
 

O Boulevard era o “point” da elite itapolitana, nele se reuniam figuras de várias camadas sociais, principalmente as mais altas. Era do Boulevard que partiam os corsos dos memoráveis carnavais de rua. E, por falar em Lydia e Toninho Del Guércio, de seus nomes é que surgiu o nome do novo cinema que eles construíram na praça Pedro Alves de Oliveira, onde fica hoje o Bradesco. Cine Lyan, onde Ly é de Ly-dia e An é de An-tonio. Aliás este cinema eu nunca freqüentei, diga-se de passagem; já vivia longe da terrinha.

1926 - Casa Lutaif instala, em sua calçada, a primeira bomba de gasolina da cidade

Outro estabelecimento que se destacou foi a Casa Lutaif, do Sr. Lutf José Lutaif. Situado na esquina da antiga Av. XV de Novembro (hoje Valentim Gentil), com a rua 13 de Maio (hoje, Ricieri Antônio Vessoni), a Casa Lutaif vendia de tudo, até gasolina, pois tinha uma bomba de combustível instalada em sua calçada, a primeira bomba de gasolina de Itápolis. Eu era bem pequeno ainda quando aquela bomba foi desativada e retirada dali.

 
Padaria Luzitânia(hoje Padaria e Restaurante São Dimas), tinha a fama de ter o melhor pão da cidade

As padarias daquela época desempenhavam um papel importantíssimo na vida da cidade. A Padaria do Samuel Garnier, na descida à direita da antiga XV de Novembro, por ser próxima do Cartório de Registro Civil, no mesmo quarteirão, acolhia os noivos, seus parentes, padrinhos e amigos, após a cerimônia do casamento civil. Ali tomavam o Guaraná e a Gasosa (a sodinha de hoje) e a cerveja, acompanhados de sanduíches e outras guloseimas. A Lusitânia, do Manoel Borges, antes deste comprar o Boulevard, tinha a fama de ter o melhor pão da cidade e a Padaria e Confeitaria Santarelli era onde se reunia a galera jovem de Itápolis, talvez atraídos pela filharada jovem do Sr. Victório e de dona Maria. Isto também devido à enorme simpatia do casal de proprietários.

Padaria e Confeitaria Santarelli, na esquina da Barão do Rio Branco com Francisco Porto, hoje Lotérica Cidade das Pedras

A Padaria Cardilli surgiu um pouco mais tarde, já em meados dos anos 40, e se situou de início ao lado do antigo prédio dos Correios, na Praça Cônego Borges do lado que descia rumo à saída de Ibitinga.

Açougues havia vários, os mais conhecidos eram os da família Scaramuzza. Conheci o velho César Scaramuzza, pai do Henrique, do Zeca, do Carlim, do Abílio; Sr. César era avô do Tonhão, do Valdemar, do João e do Cesarino. Tinha uma filha, a Maria, que eu via sempre no portão, junto com dona Paulina, mãe e avó deste povo maravilhoso. O Sr. César tinha seu açougue na rua XV de Novembro, logo depois da Casa Lutaif, do outro lado da calçada. O Carlim tinha o seu, na antiga rua Ruy Barbosa (hoje Odilon Negrão), entre a praça Pedro Alves de Oliveira e a Av. Francisco Porto. Na minha época o Carlim tinha vários filhos pequenos.

Alfaiataria Gianott, hoje Loja João Brasil

E os alfaiates? Naquele tempo em que não se vendia roupa pronta, principalmente ternos, Itápolis tinha ótimas alfaiatarias, como a do Sr. Corintho Gianotti, na descida da XV de Novembro, defronte à Casa Stella e à Camisaria Allets (Stella ao contrário – as duas casas eram dos irmãos Savério e Mazzini Stella); o Sr. Savedra tinha sua alfaiataria entre a rua Padre Tarallo e a Rio Branco. Um dos ramos da família Coletti era de alfaiates também.

Vou parando por aqui, por questão de espaço. Voltaremos a falar da Itápolis de intensa atividade comercial, artesanal, industrial, na próxima semana.

A Campos Salles, que tinha o comércio mais forte, tinha os empórios do Abramo Mói, vizinho do Armazém do Turo Tarallo, mais adiante a Casa Fiani.