Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis VI

Estação da Estrada de Ferro Douradense, depois Cia Paulista de Estrada de Ferro

Minha mais tenra Itápolis já tinha linha de trem, sabiam? Estrada de Ferro Douradense, assim chamada porque tinha seu ponto de partida no município de Dourado, vizinho de São Carlos. A estrada de ferro saía de Dourado, passava por São Carlos, por várias cidades, como Gavião Peixoto, Trabiju, Nova Europa, Tabatinga onde cruzava com outra linha da mesma empresa que ia de Araraquara até Novo Horizonte, passando por Ibitinga e Borborema. De Tabatinga a linha de Dourado vinha acabar na nossa Itápolis. E por isto diziam os críticos da cidade: “Isto aqui é fim de linha!”   Quando aparecia na cidade alguém muito chato, ou então caloteiro, ou trapaceiro, logo vinha o infalível comentário: “Fim de linha é assim mesmo: o sujeito entra no trem sem destino, vem cair aqui!”

A estação ficava no topo da Avenida Valentim Gentil, se esticando à esquerda às margens da Rua José Rossi, com seu pátio indo até pra lá da Av. Eduardo Amaral Lyra. E à sua direita o pátio  ia até os terrenos onde não havia mais casas, passando estrategicamente ao lado dos Armazens do DNC (Departamento Nacional do Café). Portanto o pátio de manobras era bem amplo. A estação assim disposta, cortava a cidade em duas regiões: pra cima da estação  e pra baixo da estação. Quando se perguntava o endereço a alguém era comum ouvir-se: “Você mora pra cima ou pra baixo da estação?”

Passageiros e familiares na chegada do trem

Trem de passageiros havia um só. Obedecendo ao apito do Sr.Macedo, o Chefe da Estação, partia de Itápolis de manhã, saindo pontualmente às 8:31h retornando no crepúsculo, chegando às 18:36h E olha que raramente atrasava. Naqueles anos  o movimento na nossa estação era bem grande, pois além das pessoas que embarcavam e seus acompanhantes, era costume as pessoas irem ver a partida e a chegada do trem de passageiros. Era um acontecimento social, principalmente nos fins de semana. E os itapolitanos compareciam elegantemente vestidos, algumas mulheres ostentando lindos chapeus. Os carros de praça, também chamados de automóveis de aluguel, saiam de seu ponto, bem atrás da matriz, para levarem de manhã as pessoas ou as famílias que iam embarcar e à tarde, por volta das 18h, os choferes alinhavam seus carros defronte à estação para apanharem os eventuais passageiros. Ali podiam se ver alinhados o Chevrolet do Tico-Tico, apelido do motorista da elite itapolitana; o Ford Mércury do Sr. Mario Bergamaschi, o Ford V8 do Bepão,  o Ford 39 preto do Sr. Fajardo, que também servia à elite local. Também se podiam ver os carros dos choferes mais populares como o do Toniquinho, o do  Seiscenti, o do Lázaro Mendes, este o mais popular porque não enjeitava corrida, fizesse sol ou chuva brava.

Luiz Gonzaga, o "Rei do Baião",  ídolo de Lazo Mendes

O Lázaro Mendes era fonte de muitas histórias pitorescas. Ele era irmão do Otaviano Mendes, que trabalhava no Forum e do Seo Miguel Mendes, querido inspetor de alunos do Valentim Gentil. O Lázaro, ou Lazo Mendes, com o chamavam, era fã apaixonado do Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, grande sucesso daquela década. E contam que, quando ele conduzia alguém pela estrada, se passassem perto de uma casa de sítio onde o rádio de pilhas tocava Luiz Gonzaga, ele parava o carro, avisando: “Pera um pouco aí, cidadão! Deixa eu escutar o Luiz Gonzaga, quando acabar nós seguimos viagem!”

Sobre o nosso trem tão romântico, tão bem cuidado, com vagões de 1ª classe exibindo bancos almofadados e revestidos de couro, bagageiros com fundo de palhinha, arandelas de cristal, também se faziam comentários jocosos, principalmente por causa da sua lentidão. Diziam os sarristas de plantão que o trem ia tão devagar que você podia descer dele, ir no mato fazer necessidade e ao voltar para a linha, tinha que esperar o trem  pra pegá-lo de novo.

Naquele tempo, os engenheiros ou as empresas construtoras orçavam a obra pelos quilômetros construídos. Assim abusavam das curvas, que aumentavam o percurso. A via férrea que ia de Itápolis a Tabatinga tinha muitas curvas, e uma delas se destacava, no meio do percurso. A curva ali traçada formava um arco e quase que as extremidades se tocavam.

Infelizmente nossos governantes nem sempre tinham visão de grande alcance para o futuro e a nossa Douradense acabou sendo desativada e totalmente desmontada por decisão de um dos governadores biônicos de plantão à época da ditadura militar, privando nossa cidade e toda esta vasta região de um dos meios de transporte mais econômico que se conhece.