Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis - Semana Santa e Páscoa

Na minha mais tenra Itápolis o que me ficou na memória foram tantas coisas, tantas pessoas, tantas cenas, tantos recantos da cidade e do campo e também os grandes eventos de cada ano, de cada fase da vida de nossa cidade. Mesmo tendo deixado minha terra natal, querida, amada como uma criatura, há mais de 59 anos, isto quer dizer, mais de meio século, daquela cidade, daquelas pessoas, daquelas casas, daquelas ruas e praças, daquelas mangueiras portentosas, daquelas matas virgens que a cercavam, tudo se conservou e se conserva em minha memória. Nas noites em que o sono demora a vir e nas manhãs em que ele vai embora logo, quase sempre repasso na lembrança as cenas de minha terra, suas esquinas, suas casas de comércio, sua gente amiga. Nessas reminiscências da madrugada rua por rua, casa por casa, gente por gente se estampam diante da minha mente, como se ainda existissem, como se ainda pudesse eu reencontra-los nas minhas idas até ela.

Estudei vários anos em São Paulo, lecionei 9 anos numa faculdade de São José do Rio Preto, onde nasceram três de meus quatro filhos, depois foram seis anos em Monte Aprazível, onde nasceu minha saudosa filha Marília, mais cinco anos na hospitaleira Votuporanga e desde então trinta e cinco anos de novo em São Paulo. Como vêem, tantos anos longe da minha Itápolis mas, quando chegamos no Natal, no Carnaval, nas festas juninas, na Semana da Pátria, na Semana Santa, não é de nenhum destes lugares que me vêm as cenas que ilustram esses eventos no passado. É da minha doce terra natal que afloram as lembranças.

Hoje, Quinta feira Santa, aqui de Santos onde estou, quando passei diante da Igreja do Embaré, saltaram diante de minha lembrança, o Frei Elias lavando os pés dos apóstolos, numa mensagem de humildade e amor ao próximo que foi dada ao mundo por Jesus. Lembro-me de alguns dos nomes dos participantes, pois a cada ano algumas mudanças eram feitas; lembro-me do  Vitório Machado, presente em todas as representações do Lava-pés que pude ver; também o Ismael Palhares, ferreiro muito conceituado,  o Antônio Fajardo, “chauffeur” de praça, o Abramo Mói, comerciante, o Vitório Zarelli, lavrador, muita gente de posse ou muito pobre, apóstolos por uma noite, teve os pés lavados pelo representante de Jesus. Eu achava aquilo uma coisa maravilhosa, me emocionava às lágrimas vendo pessoas pobres como nós sendo alçados à condição de  companheiros do filho de Deus.

No dia seguinte lembro-me de passar a tarde inteirinha da Sexta feira Santa, no interior da nossa Matriz, assistindo a aquela seqüência de ritos litúrgicos que antecediam à procissão do enterro. Era muita gente da cidade e do campo ali em vigília desde depois do Lava-pés. Ouvia atentamente o Sermão da Montanha que se dava por volta das 3 horas da tarde e me molhava o rosto e a camisa de lágrimas na hora da Descida da Cruz. A  Procissão do Enterro então era pra mim como se fosse Jesus verdadeiro sendo carregado pelas ruas forradas com folhas de mangueira, fiéis carregando velas e lanternas com seus pavios acessos, ´passando pelas ruas silentes, num longo percurso que saía da Matriz, subia a Florêncio Terra até à esquina do Grupo Escolar e da casa das Marconi, virava para a esquerda e trilhava a Avenida 7 de Setembro até à esquina do Dr. D’Andrea, sogro do Deputado Valentim Gentil, virava para a esquerda de novo e descia a Campos Salles até à esquina da Casa dos 2 Irmãos, da Fábrica de Balas e Rebuçados, da casa do Sr. Iussef Chammas, e ali virava à esquerda descendo a Rua Bernardino de Campos até à esquina no meu Nono, onde eu e meus irmãos estávamos, há horas, esperando aquele momento; era também  esquina  do Sr. Henrique Scaramuzza e Dona Nina, do Posto de Saúde. Ali a procissão entrava na antiga Av. XV de Novembro (hoje Valentim Gentil), andava um quarteirão até à Casa Lutaif, virava à direita, descia um quarteirão da rua 13 de Maio (hoje Ricieri Antonio Vessoni) e na esquina dos Zanata, da máquina de arroz dos Lucato, da loja do João Donadio virava à esquerda e retomava a Av. Florêncio Terra, subindo até à Igreja Matriz, onde era sepultado o corpo do Mártir Jesus Cristo.

Por todo este caminho doloroso os fiéis podiam ver os lindos altares montados nas janelas das casas, pelas famílias que assim homenageavam Jesus Morto.

Depois daquela noite de tristeza e intenso luto, o sábado alvorecia prometendo  a alegria da Ressurreição! Às 10 horas da manhã os sinos da Matriz repicavam alegres, os fogos de artifício espocavam  nas praças; os meninos, os jovens e os adultos começavam a malhação de Judas: era o Sábado da Aleluia, marcando a volta da alegria, das cores, dos sons,  dos sorrisos, era a festa de Jesus redivivo. Era a volta dos bailes nos clubes e salões da cidade. O Domingo de Páscoa era a chave de ouro que coroava o fim da Quaresma, o fim dos jejuns e das abstinência, a volta da felicidade.

Assim, desejo a todos os itapolitanos a felicidade da Páscoa!