Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis IV

Na minha mais tenra Itápolis o cinema servia como lugar perfeito para o namoro mais chegado, No escurinho do cinema aconteciam os afagos, os beijos e abraços, gestos de amor que eram proibidos fora dele. Não era uma proibição formal, não havia nenhuma lei, nem decreto municipal estabelecendo “É PROIBIDO BEIJAR, ETC” Mas eram atos que a sociedade, as famílias não toleravam.

Namorar, naqueles tempos, era um ato ritualizado. Vejam bem! Naquela época  os jovens saiam de casa pra passear, na maior parte do ano, às quintas, sábados e domingos e nos feriados e dias santos. O passeio ia das 7h às 10h da noite, no máximo; aliás, às 10h tanto a mocinha como o mocinho deviam estar entrando em casa.

O namoro começava no “footing”, palavra que significa “caminhada”. Os rapazes ficavam parados lado a lado, vendo as moças andarem em grupos, de braços dados, pra lá e pra cá. Os olhares se cruzavam e quando começavam se repetir seguidamente, a cada passagem da moça alvo dos olhares, nascia a esperança da conquista. O jovem então se isolava dos colegas, parava num espaço solitário e quando a moça se aproximava de novo, criava coragem, chegava perto dela e, sob os olhares curiosos das colegas dela lascava a pergunta: “PODE SER OU ESTÁ DIFÍCIL?”, forma de abordagem que marcou toda uma época dos costumes interioranos. Se a garota respondesse “Tá difícil”, não restava ao enjeitado senão voltar com o rabinho entre as pernas para o seu grupo, onde era, indefetivelmente, recebido com a maior gozação. Os mais tímidos geralmente apelavam para a a ajuda de um colega a quem davam a missão de abordar a moça. Mas, se a donzela dissesse “Pode ser!”, era a glória! Assim começava um namoro. O casal se dirigia à calçada dos namorados recentes, ele na beirada, ela quase derrubando o muro, e iam e voltavam,.quase mudos, até a hora de irem pra casa, às 22 horas, como era o costume. Nos primeiros dias de namoro, ela se despedia ali mesmo e se juntava às colegas que já a estavam esperando e ele voltava para junto dos amigos.  Com o tempo, ele passava a acompanhá-la até as proximidades da casa dela, os dois caminhando alguns passos, sem mesmo pegar na mão, atrás das colegas, geralmente  vizinhas da moça.

Praça Pedro Alves de Oliveira, o local do footing da época

O footing em Itápolis, naquela época, acontecia, durante um longo tempo, na velha praça Pedro Alves de Oliveira. Aquela alameda circular, ao redor do centro onde está o monumento a Valentim Gentil, era onde as moças circulavam de braços dados. E os rapazes ficavam parados em grupos nas saídas dispostas a cada 20 metros mais ou menos. Quantas vezes eu fiquei na espera de minha predileta, num cantinho daqueles!!!

Noutra época, o footing passou a ser feito no trecho que vai da Av. Valentim Gentil até a Av. Francisco Porto, passando em frente ao Cine Central,  Olha que naquele tempo ainda não havia ruas calçadas! A prefeitura mandava molhar o quarteirão.  Senão, imaginaram o poeirão?!  Havia um serviço de alto-falantes, cujo locutor era o Ludovico Del Guércio, irmão do Dr.Arthur, da Antonieta, do Caetaninho. Ali a gente podia oferecer músicas para a cobiçada de plantão ou era a gente que recebia a oferta. Os cantores ídolos da época eram Orlando Silva, Sílvio Caldas, Carlos Galhardo, Chico Alves, o Rei da Voz, Dalva de Oliveira, Izaurinha Garcia, Aracy de Almeida. Os coroas de então curtiam Vicente Celestino.

O interessante no namoro desta época é que havia espaços próprios para cada estágio  de namoro.Quando o footing era na praça, lembro-me bem que os namorados recentes ficavam andando na calçada que ficava defronte ao Grupo Escolar, hoje chamado Julio Ascânio Mallet;  os casais de namoro firme, iam e voltavam, já de mãos dadas, na calçada do lado da Florêncio Terra; já aqueles namorados que já frequentavam a casa da moça, numa espécie de pré-noivado, estes andavam na calçada defronte onde é hoje a galeria que não vingou. E aos noivos, de aliança na mão direita, a estes ficava reservada a calçada em frente à farmácia do Julinho Sudário e à Prefeitura, do lado em que ficam hoje o Banco Santander e o Bradesco. A eles era dado o direito de sentar-se nos bancos e de ficarem abraçadinhos.

Beijos, abraços pegajosos? Só no escurinho do cinema ou nas ruas já  desertas, na hora de levar a namorada pra casa. Beijos em público? Jamais! A não ser que a garota não se importasse de levar uma surra do pai ou da mãe ou de ficar “falada” na cidade. Por isto, hoje em dia, quando nas novelas de época os casais se beijam em público, beijos cinematográficos, nada soa mais falso para quem, como eu, viveu  naquela época!