Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis - As aventuras: Bailes e frutas

Na minha mais tenra Itápolis, no tempo em que a gente cursava o colegial e a escola normal, as estradas  de que falei, também nos levavam a aventuras típicas daquele tempo. Já tínhamos atingido a faixa dos 15, 16, 17 anos e as brincadeiras já eram outras.

Uma das “aventuras” alegres e animadas era a ida aos bailes que se realizavam nos sítios das redondezas. Dois deles se destacavam por serem mais freqüentes: os bailes do Malaspina e os paliçados do Corguinho.  A gente ia em turmas formadas por rapazes e moças. O caminho preferido para o sítio do Malaspina eram os trilhos da Estrada de Ferro.  Já para o Corguinho era a estrada de Borborema, cheia de trechos com areões  que enchiam nossos sapatos.

 Tais bailes eram muito concorridos, animados e bem comportados. Um sanfoneiro incansável, sentado em uma cadeira alçada sobre a mesa no centro do recinto, tocava os arrasta-pés na moda, os rasqueados, as valsas, os shots, as marchinhas que animavam os pares até mais da meia noite, mas não muito. As vestimentas opunham as modas! De um lado os rapazes e as moças do sítio com seus ternos e vestidos feitos em tecidos  do gosto das pessoas do campo. As moças adoravam os panos de cores fortes e estampas  adamascadas; os mocinhos ostentavam seus ternos de brim caqui, azuis ou   listrados. Alguns preferiam o padrão xadrez. Já o pessoal da cidade vestia ternos em tecidos leves e cores discretas, enquanto as moças desfilavam seus vestidos ou suas saia-e-blusas decote em V, muito discretos, com barras  bem pra baixo dos joelhos.

Havia, nestes bailes, um clima perceptível de rivalidade entre os camponeses e os da cidade. Os grupos não se misturavam senão na hora da dança; os que não dançavam ficavam assistindo juntos com suas turmas. Tanto assim que, certa vez, depois de enchermos nossos sapatos de  areia, vimos o dono do sítio do Corguinho interromper o sanfoneiro nos seus primeiros acordes: “peraí, peraí um pouco que vou dizer umas palavras!” Subiu sobre a mesa e com voz firme e bem alta anunciou, no seu português ainda carregado do sotaque italianado: “U pichuár da chidadi num dáncha!” – distribuiu um olhar austero em nossas direções e completou: “Di hoji in diánti o baile aqui nu Corguinho é só pru pichuar do chítio! Num diánta cêis vim mais aqui pra danchá! Podi assisti, mas danchá num dáncha!”

Agora vocês imaginem as nossas caras! E não teve jeito, fomos saindo de mansinho, pegando o areão de volta, andamos um ou dois quilômetros quietos, mas depois  um de nós começou a rir, a rir cada vez mais, e aquela risada contagiou a todos, começamos a correr pela estrada, a tirar sarro um no outro e a imitar o dono do baile: “U pichuár da chidade num dancha!!!”

Daí por diante só sobraram os bailes do Malaspina, onde dançar era garantido, porque os participantes contribuíam com uma pequena taxa pra pagar os músicos.

A outra aventura que as estradas propiciavam, eram as investidas noturnas nas plantações de melancia ou nas safras de tangerinas. A gente ia em grupo às fontes seguras! Já se sabia que no sítio tal ou na chácara tal as melancias estavam no ponto. E  um de nossos colegas, estudante de Borborema, o Huáscar, bolou um modo disfarçado pra cortar os cabinhos das “redondas”: uma folha de faca presa entre os dedos do pé direito. Ele nem precisava abaixar-se pra apanhar a “presa”. Se tinha um vigia espreitando de longe, a gente estava  caminhando inocentes no meio do melancial. Ele não via que pra cada melancia de cabinho cortado, tinha um colega empurrando-a com os pés, até chegar à estrada. Depois era uma correria daquelas!

As tangerinas, ah! estas têm boas histórias pra contar na próxima semana!