Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis - Estradas e Meios de Transporte

Na minha mais tenra Itápolis a força produtiva e consequentemente econômica se concentrava no campo. Grandes plantações de café, de algodão, de cereais, além das pequenas propriedades que produziam leite, frutas e hortaliças, davam o tom do município. Terra fértil, generosa, o resultado era uma ótima safra atrás da outra. Não tínhamos ainda as rodovias, o asfalto, nem mesmo dentro da própria área urbana. Havia as estradas de terra, que nos levavam para todos os lados: a estrada de Araraquara que começava já no fim da Avenida Campo Salles, ali na caixa d’água, única na época. Passava pelo Quadro, depois pelo São Lourenço do Turvo, mais adiante por Bueno de Andrade, onde o hoje a atração são as coxinhas, depois Silvânia e enfim se chegava na insossa Araraquara, cidade grande, de povo fechado e pouco receptivo, como, aliás, é até hoje.

Pelos lados onde é hoje o Clube de Campo saía a estrada de Taquaritinga, que também levava às Antas, ao bairro de São João, à vila de Nova América, reduto da família Porto, e já no município de Taquaritinga, passava pela vila de Guariroba. Já pela rua José Rossi, que passava em frente à Estação da Douradense, indo no sentido contrário do Clube de Campo, se acessava a estrada que nos levava a Tabatinga, caminho de terra que ladeava a maior parte do trajeto a velha estrada de ferro. Por ela atingíamos também o bairro de Machado e a vila de Curupá. Ao contrário das demais estradas, a de Tabatinga, talvez pelo tipo de solo mais arenoso, não apresentava grandes problemas durante a temporada de chuvas, quase não se tinha notícias de atolamentos naquela estrada. Seguindo depois de Tabatinga, podíamos chegar várias pequenas cidades da linha da Douradense: Nova Europa, Trabiju, Gavião Peixoto.

Para irmos a Ibitinga o caminho a tomar era a Rua Padre Tarallo, descendo a ladeira que começava na Avenida dos Amaros. Na saída passávamos pelo Matadouro, próprio municipal que era referência na cidade. Por suas curvas, descidas e subidas, passávamos pela ponte do rio São Lourenço e logo se chegava à nossa maior rival, Ibitinga, que alguns apelidavam de Ibitiola, por ter sido vitimada por um surto importante de varíola. Era a cidade mais próxima da nossa Itápolis. Depois dela se chegava a Iacanga e Bariri, não sem antes passar por Cambará; havia uma linha de jardineira que servia estes lugares.

Se você precisasse viajar pra Borborema ou Novo Horizonte, você tinha dois horários de jardineira. Os carros do Nenê Baiano saíam, o primeiro às 7 da manhã, com ele ao volante e o outro às 3 horas da tarde, com os Sr. Benedito na direção. Saiam ali da Rua Padre Tarallo, no quarteirão entre a Francisco Porto e a Valentim Gentil, nossa antiga “rodoviária”. Descia a Valentim Gentil até à esquina da Casa Lutaif, virava à esquerda e pega a Av. Florêncio Terra em direção à Vila Nova, saindo pela curva do bambual. A última venda era a do Vicente Granucci. Ali começava a estrada que passava pelo Campo de Aviação, pegava a descida do Corguinho, o subidão no meio da mata virgem(subida da bananeira), depois vinha a Onça, onde no tempo chuvoso os carros atolavam e seguia até a divisa de Borborema, que era a ponte do Ribeirão dos Porcos, rio caudaloso e que dava muito peixe, de lambaris a enormes dourados, pintados, jaús e as deliciosas piracanjubas de escamas prateadas. Ali estava instalada, à direita da estrada, a Usina Hidroelétrica do Ribeirão dos Porcos, que alimentava de energia de Borborema, Itajobi e Novo Horizonte, que eu me lembro. Passando a ponte, já nas terras de Borborema, logo vinha a igrejinha e a venda das 3 Barras, conjunto de fazendas de café da família Ramos. Talvez por causa da Usina, da fazenda dos Ingleses, do ribeirão tão procurado pelos pescadores, a estrada de Borborema era a mais movimentada do município, tanto que havia dois horários de jardineira para servi-la.

Pela saída do fim da Campos Salles, se pegava a estrada de Itajobi , que atravessava vários trechos de mata fechada. Por ela se chegava ao subdistrito de Monjolinho. Por ela também se chegava à fazenda do Major Novaes(hoje de propriedade do Dr. Dalmyr Semeghine), onde havia um dos primeiros campos de pouso particular para aviões de pequeno porte e onde anualmente se realizava uma festa aviatória com a vinda de muitos pilotos e seus aeroplanos.

Finalmente tínhamos a estrada para Tapinas, distrito mais evoluído do município, que era servido pela linha de jardineiras dos irmãos Guidorzi.

Por todas estas estradas podíamos ir identificando as fazendas pelos nomes de seus proprietários, ou pelos seus próprios nomes. A mais bonita delas, mais organizada, ficava na estrada de Tapinas, a Fazenda Santa Maria, de Aldroaldo Almeida Ramos, como aparecia escrito nas carrocerias de seus caminhões.

As viagens eram bem demoradas, pois as estradas eram cheias de curvas, subidas e descidas e nem sempre muito bem conservadas. Além disto, os motoristas não tinham pressa nenhuma. Paravam em várias porteiras pra recolher passageiros, que ainda iam se despedir dos familiares. Entravam na jardineira carregando frangos vivos, sacos de mantimentos, cestas de ovos. Às vezes, o próprio motorista descia e ia tomar água e se refrescar na casa do freguês, se esta ficava perto da linha. A vida era sem pressa, a vida era tranquila. As vezes, até demais.