Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis - Progresso e Tecnologia

Na ,minha mais tenra Itápolis não havia tanto progresso tecnológico. Nem se sonhava com o rádinho à pilhas, portátil, com fone de ouvido! Nem em sonho! Havia sim o rádio à pilha que se usava na zona rural, como havia a geladeira movida a querosene. Era um rádio comum, alimentado por duas pilhas tamanho família, enormes e pesadas, tão pesadas que era impossível pensar-se em carrega-lo de cá pra lá, de lá pra cá. Quando o rádio começava a ficar rouco, a falhar a voz do locutor, era que a pilha estava  acabando. O jeito era dar um pulo na cidade pra comprar pilhas novas. Naquele tempo contavam que um determinado sitiante aí das proximidades, tendo fica\do sem pilhas no seu rádio, pediu ao compadre que ia à cidade, que lhe trouxesse um par de pilhas novas. Entregou o dinheiro pro compadre dizendo: “Por favor, compadre, passa na Casa La Laina pra mim, e pede pro Vitorino te vender um par de pilhas pro meu rádio! Mas pede pra ele mandar pilhas das boas, carregadas com músicas do Tonico e Tinoco!”

Gravador de som, toca-fitas, long-plays, nada disto existia ainda. E a gente só via estas coisas em filmes de ficção, como “Flash Gordon” Nosso mundo girava devagar, as novidades demoravam anos pra aparecer.E este ritmo lento da evolução das coisas, refletia-se também no modo de viver das pessoas. Não havia correria, vida apressada, havia calmas nos gestos e nas palavras. O mundo era melhor? Sei lá, pode ser que sim, de um certo ângulo, pode ser que não. Eu sou suspeito pra dizer porque já estou na idade em que se instala na gente o saudosismo e eu vivo, ultimamente, atacado de saudade! Confesso que sinto falta daquele modo de viver.

Você que leu minha crônica da semana passada e está agora lendo esta, pode estar pensando: “Este cara é antiquado, inimigo do progresso, avesso à evolução”  Mas, não é bem assim. Acontece que eu olho o passado procurando ver o lado bom daquela vida, valorizando os aspectos agradáveis da vida na nossa cidade naqueles anos já longínquos. O mundo melhorou sim, melhorou muito mesmo! Do pondo de vista técnico e científico a melhora foi gigantesca! Sobretudo se você olhar para a melhoria dos recursos médicos postos a nosso serviço. Eu sou capaz de aplaudir este progresso.

O mundo melhorou sim, no campo dos recursos materiais. Hoje vivemos muito mais confortavelmente.. Nem precisamos levantar pra ir ao televisor apertar o botão do volume ou dos canais. Não precisamos mais correr atrás de um telefone público pra fazer uma ligação urgente. Agora temos o celular que faz de tudo, só falta virar chuveiro.

Agora veja uma coisa: um jornal francês, no 1º de janeiro de 1900, quer dizer, no primeiro dia do século XX, publicou, na primeira página, uma lista de desejos e de sonhos para os 100 anos que se iniciavam! O jornal pedia, entre várias coisas, que o homem construísse “um veículo que voasse e que fosse capaz de carregar um elefante”, que o homem conseguisse “fabricar um aparelho através do qual a gente possa ver imagens distantes, de outros pontos do país e do mundo”,  e  pedia também que “até o fim destes 100 anos, o homem tivesse conseguido eliminar as doenças, o analfabetismo, as guerras, os crimes de toda ordem, a corrupção e as injustiças!” . Tudo aquilo que dependia do conhecimento científico, calcado nas ciências exatas, no lado objetivo das coisas, tudo  foi conseguido. Desde os meados do século XX temos os Jumbos, estas aeronaves  que transportam tratores enormes, temos a televisão, que nos traz  a visão dos lugares mais longínquos. E tudo que o homem pudesse ou não imaginar, em assuntos de tecnologia, tudo e muito mais foi alcançado. Agora, aquilo que depende da vontade do homem,  do lado das coisas subjetivas, daquilo que parte  das escolhas e das conveniências do ser humano, que partem do homem político, muito pouco foi conseguido até agora, que já entramos na segunda década do século XXI.  É bom que se reflita sobre isto. E se o leitor quiser conhecer a primeira página daquele jornal francês, basta ler o livro do Joelmir Betting, intitulado “Na prática, a teoria é outra” em cuja introdução ele publica a famosa primeira página de que falei.

Como vêem, o homem objetivo, o homem ciência, o homem dos cálculos e dos laboratórios evoluiu muito! E criou instrumentos de entretenimento, de tratamento da saúde, de facilidades para a indústria, a agricultura, a construção civil e tantas outras atividades. Mas o homem subjetivo, este vem falhando em tudo, não consegue parar de guerrear, não consegue parar de destruir, não consegue distribuir os benefícios culturais a todos, não consegue acabar com os vícios, com a ambição desmedida, com as injustiças!

Não adianta a ciência dar as estes homens os instrumentos mais sofisticados que a tecnologia propicia. Ele pega a televisão e faz estes programas imbecis que entediam os nossos fins de semana; ele pega a internet e usa seus instrumentos para combinar atos criminosos, os aviões para jogar bombas atômicas sobre populações civis e pacíficas: pegam o celular para comandar o tráfico de drogas de dentro dos presídios. É este mau uso dos frutos do progresso que me levam a ter saudade do homem pacato e sereno da minha mais tenra Itápolis, talvez porque desinstrumentado, desprovido de progresso e de tecnologia, desarmado, afinal!