Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis III

Minha mais tenra Itápolis tinha um cinema que era a coisa mais linda, chique e majestosa!

Fachada do Cine Theatro Central. À frente, os cartazes dos filmes a serem exibidos

A entrada era suntuosa, emoldurada por uma fachada alta, imponente, geralmente pintada de azul claro. No topo da fachada uma sirene distribuída em tres canudos. Dentro então, um luxo! No piso principal, térreo, a platéia com capacidade para umas quinhentas pessoas, calculo. Ao redor dela as frisas, tipo de camarote com quatro lugares que eram comprados pelas famílias ou por grupos de amigos.

Nelas havia conforto e privacidade. Subindo uma escada situada nos fundos, a gente chegava à varanda. Era como chamávamos a galeria superior, dividida em cadeiras dispostas em anfiteatro, ao fundo e os camarotes nas laterais.

A tela tomava todo o palco. E era removida quando o cinema era cedido para um show, para a apresentação de um cantor, para uma representação teatral ou para a orquestra que vinha abrilhantar os bailes de formatura! E que bailes! Quanta pompa, elegância e beleza tinham aqueles bailes ao som da Orquestra Sul América de Jaboticabal! Ou com a Orquestra Continental de Jau. As formandas trajando vestidos com saias longas e

Dezembro de 1952 - Baile de Formatura de Professores
Local: Aéro Clube (Antigo Cine Theatro Central, hoje Micheletti Móveis)
1-Hélio Renesto - 2-João Bergamaschi - 3-Honório Lucatto - 4-Antonio Pereira - 5-José Luíz Maradei (Zé da Ilha) - 6-Newton de Almeida - 7-Wonia Gardelin - 8-Dirceu Sgarbi - 9-? Gentille - 10-Margarida Puzzi - 11-? Sahão - 12-Nico Cyrino - 13 - ? Pinotti

 rodadas, apoiadas em armações de arame, davam um encantamento de conto de fadas àquela festa tradicional. E todas as outras

 

 participantes, parentes ou convidadas, exibiam lindos vestidos rodados, que vistos de cima, da varanda, formavam uma coreografia de sonho! Os homens vestiam ternos impecáveis.  Naquela época imperavam os ternos de linho branco. Era um espetáculo de bom gosto, elegância e beleza que enchia os olhos e os corações de todos. Lá da rua, em frente ao Boulevard, ouviam-se os acordes maravilhosos das valsas de Strauss, das polcas, dos boleros e das canções. O Cine Theatro Central tinha então sua noite de glória inesquecível.

O nosso Cine Central também se tornava imponente quando os primeiros filmes em technicolor estreavam na cidade!  Filmes como “E o vento levou...”, “Ben Hur”, “Gengis Khan”, transformavam a fachada do cinema num espetáculo de bandeiras multicoloridas, flâmulas e guirlandas. Quando não íamos ver o filme e ficávamos nas calçadas das imediações, a gente podia ouvir as músicas e os diálogos que vinham da cabine, à altura da varanda, onde operava o infalível Orlando Ellero, operador de cinema.

Os filmes eram distribuídos pelos dias da semana. Os grandes filmes eram passados  no domingo, em duas sessões e na segunda feira em reprise,  sessão única.  Na terça feira  era a sessão do troco! Servia para amealhar dinheiro trocado pra movimentar o caixa da semana, Quem pagasse com dinheiro trocado, tinha um desconto; a quarta feira era o dia da sessão das moças, rapaz acompanhado de uma moça pagava um só ingresso, a moça entrava de graça. A quinta feira era reservada pra reprises de filmes famosos, a sexta era dos filmes de terror ou de mistério e o sábado, ah o sábado! Que delícia pra molecada: dia de comédia! Os faroestes passavam geralmente nas  terças feiras e nas matinês de domingo Os seriados eram a atração do sábado à noite e da matinê de domingo.

E o cinema enchia! As filas na bilheteria às vezes iam até à esquina do chalé de bicho do João dos Santos. E não faltavam as brincadeiras que a rapaziada aprontava durante as sessões! Os meninos faziam arte colocando chiclete nos assentos bem na hora que a vítima ia sentar na poltrona! Nos filmes de terror ou de suspense,  sempre tinha um engraçadinho que no momento de maior silêncio e drama, estourava uma bexiga ou soltava uma gargalhada... o que acabava com a tensão, provocando nuns a ira e noutros gargalhadas!

E o nosso cinema tinha seus frequentadores infalíveis. O maior destaque era o Professor Aureliano, mestre do colégio e sua esposa, dona Aretuzza. Acho que enquanto moraram em Itápolis e enquanto existiu cinema, nunca faltaram um só dia.   

O nosso Cine Theatro Central foi o nosso Cinema Paradiso, do filme de Giuseppe Tomatore, que enterneceu nossos corações, no final dos anos 80. Quando vi este filme tive a perfeita sensação de rever a Itápolis dos meus anos dourados. Saí do cinema e fui em busca de comprar uma cópia que guardo comigo e  volta e meia assisto, mesmo sabendo que vou ficar com os olhos marejados de lágrimas. O Cinema Paradiso da história foi demolido, o nosso Cine Theatro Central ainda está de pé, desconfigurado, é claro, virou loja de eletrodomésticos, mas está de pé! Quem sabe alguma alma bafejada por Deus não resolve devolver-lhe vida, encantamentoo e arte! Sonhar não custa nada!