Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis - Música e Espetáculos

Na minha mais tenra Itápolis a música e a poesia encontrava espaços para a criação e a fluição. Nos tempos idos dos anos 10 e 20, a Lyra Itapolitana, onde é hoje a Câmara Municipal, abrigava os espetáculos de óperas, operetas, peças teatrais, concertos de tenores, barítonos, sopranos, contraltos. No seu palco também desfilavam declamadores de poesias, de textos líricos, poemas clássicos, românticos e

Chevrolet Cabeça de Cavalo, um dos primeiros veículos a circular pela cidade

 simbolistas. Contavam os mais velhos que ali iam muitas vezes assistir a peças teatrais de grupos locais. Era uma casa de cultura mantida pela colônia italiana, mas que tinha o apoio dos poderes municipais e de toda a população da cidade. Minha mãe que, em solteira, morava nas proximidades da Lyra, contava que, nos dias de espetáculo, aqueles quarteirões ficavam repletos de charretes, troles, semi-troles, cavalos amarrados nas argolas das guias da sarjeta e alguns Fords de Bigode e Chevrolets Cabeça de Cavalo que já circulavam pela Itápolis do início do século XX.

Já no meu tempo a Lyra era coisa do passado, desativada pelas mudanças dos  novos tempos, aquele prédio passou a cumprir o seu destino de abrigar toda sorte de serviços públicos. A onda de então era já o aparecimento do disco. Uma “pizza” feita de cera, enorme, tamanho família, que rodava nos gramofones a 78 rotações por minuto (78rm), As primeiras gravações iniciavam com a marca da gravadora mais famosa de então. Você colocava o disco no prato da vitrola, levava aquela agulha grande e espessa até o primeiro sulco e logo ouvia: “Gravação da Casa Edson do Rio de Janeiro” e entrava a música! A vitrola (Gramofone) era movida à corda, que se acionava por uma manivela presente numa das laterais do aparelho. Quando a corda estava toda enrolada a o ritmo da música começava rápido e a voz do cantor ou da cantora saía mais agudo do que a natural do artista. Conforme a corda ia afrouxando, o ritmo também ia ralentando até que o dono da geringonça acionasse a manivela.

Havia, no meu pedaço, Av. Campos Salles, uma loja de tecidos e armarinhos, a loja do Jurema, um simpático pernambucano que era casado com a Dona Nina Monzillo. O Sr. Jurema era um comerciante muito animado, adepto da propaganda; toda semana mandava distribuir na cidade seus panfletos publicitários anunciando a chegada de novas mercadorias. E o Sr. Manuel Jurema sempre mandava imprimir nos seus volantes um poema e seu poeta preferido era Manoel  Bandeira. Confundido com os Manueis, do dono da loja e do dono do poema, eu, menino, achava que o Sr. Jurema era poeta!

Gramofone, a grande novidade da época

Mas o que era tradição naquela loja era o gramofone colocado perto de uma das portas da entrada, o dia todo rodando discos do Vicente Celestino, do Carlos Galhardo, do Gastão Formentes, da Libertad Lamarque, do Francisco Canaro, da Bidu Saião, da Carmem Miranda e muitos outros. Era uma festa que alegrava o bairro. Dona Nina, sentadinha ao lado daquela vitrola, que era a  novidade da época, cuidava pra que a corda não se acabasse.

Depois disto veio a vitrola movida à eletricidade e aí então surgiu o Serviço de Alto Falantes  de Itápolis, implantado no centro da cidade, primeiro no quarteirão do Cine Central, depois na Valentim Gentil, logo abaixo da Praça Pedro Alves de Oliveira, bem em frente de onde hoje temos a Padaria São Dimas. Aí os discos já eram de amianto, mais leves, embora com as mesmas 78rm. E a Casa Edson do Rio de Janeiro já dava lugar à RCA Victor, à Continental e a outras gravadoras.

O teatro e a poesia, desalojados da Lyra Itapolitana, encontravam agora espaço nos palcos do Cine Teatro Central e mais tarde no palco do Cine Ideal, mantido pela Paróquia. As declamadoras oficiais do Colégio, Nair de Oliveira Sene e Wandalice Franco exibiam sua verve e classe nas festas solenes das datas comemorativas. Os grupos teatrais amadores, os grupos improvisados de shows humorísticos com seus skets, se apresentavam nos cinemas, cujas telas eram retiradas para se usar o palco. As duplas de violeiros, além das barracas do leilão, também usavam os palcos dos cinemas. Os mais conhecidos da época eram, além dos Irmãos Fortuna, José e Euclides (e não Alcides, como disse eu equivocadamente, na crônica da semana passada)  os Irmãos Cogo, aí sim, tinha um Alcides!

Não sei como é hoje, que vivo longe da terra, mas penso que a Lyra Itapolitana ainda anima os jovens artistas da cidade.