Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis - Famílias e Ruas

1º Posto de Saúde

A sua criação resultou do trabalho incessante de Valentim Gentil, Odilon Negrão, Eugênio de Paula Brandão e outros itapolitanos que integravam a política dominante em Itápolis, naquela época.

O Posto de Saúde começou a funcionar em 1º de janeiro de 1934, no pavimento térreo do prédio nº 629, da Rua 13 de Maio, hoje Ricieri Antonio Vessoni (antiga residência do ex-Prefeito Emílio Mucari)

Na minha mais tenra Itápolis havia muitos estrangeiros, os imigrantes do pós-guerra, anos 20. Eram italianos e libaneses que dominavam, poucos eram os de outras nacionalidades, e os brasileiros correspondiam a mais ou menos um quarto da  população. No pedaço onde nasci e cresci, por exemplo, de brasileiros tínhamos o Dr. Paulo Brasil, médico, que morava naquele casarão da esquina da então Rua 13 de Maio (hoje Ricieri A. Vessoni) com a Av. Francisco Porto, onde também morou o Dr. Ramos e família e que também se instalou o primeiro Posto de Saúde de Itápolis, depois deste, a família Mucari. Outra brasileira era a Sinhana Baiana, ex-retirante nordestina que saiu da pobreza e, como prova de gratidão a Deus, levava o fim de sua vida praticando a caridade. A casa dela, bem em frente à nossa, tinha um quintal enorme, como eram os quintais da nossa cidade naquela época; nele ela fez construir várias casinhas onde abrigava pessoas carentes. Sinhana ou Donana, como era também chamada, foi a primeira pessoa que eu vi com câncer, doença ainda pouquíssimo conhecida. Donana morreu numa agonia longa e torturante, sem dar um gemido, sem uma palavra nem um gesto de revolta; Donana continuou temente a Deus até o último suspiro e foi com ela que conheci a verdadeira fé e a mais profunda devoção. Por muitos anos o seu túmulo era alvo de pedidos de graças, pois seu martírio era conhecido de toda a gente. É por causa dela que acredito nos santos!

A esquina da casa do Dr Paulo se completava com o Posto Atlantic do Sr. Luciano Armentano, no outro lado da esquina o armazem do mesmo Sr. Luciano e na outra quina a casa da família Monzillo, onde moravam a Dona Branca e o Sr. Monzillo, os filhos solteiros Tota e Nenella, e na parte do fundo, Dona Nata e seus filhos Glorinha, Haydée e Vadinho (Salvador). Ligada ao armazém, com portão na rua Ricieri A.Vessoni, era a casa dos Armentano. Sr, Luciano e Dona Filomena, pra nós, seus vizinhos, uma segunda nona! Como vêem a esquina tinha 3 quartos de italianos.

Posto Atlantic, instalado na Rua 13 de Maio(hoje Ricieri Antonio Vessoni), esquina com Av. Francisco Porto(2009-continua lá, mas desativado)

Acima do armazém, na Francisco Porto ficava a nossa casa. Simples, assoalhos de tábua natural, branquinho de tanto que minha mãe lavava e esfregava, sem forro na maior parte, tinha nos quartos forro de pano, que com a ação das goteiras apresentava manchas as mais variadas em forma e cor. Era pra nós crianças um convite à imaginação; deitados em nossos colchões de palha e  olhando aquelas manchas, imaginávamos nuvens, pássaros, figuras humanas. Os cômodos eram enormes, os móveis escassos. A sala de visitas era mobiliada com cadeiras de assento de palha retorcida, enfileiradas lado a lado, encostadas nas paredes, no centro da sala dava até pra dançar. A cozinha era o lugar preferido da família. O fogão à lenha com seu forninho e sua chaminé era a lareira de pobre nas noites de inverno. Ali, reunidos em torno de nossa mãe, passávamos horas ouvindo suas histórias. Ao fundo um terraço protegia o tanque e a tina, onde minha mãe, com a ajuda de minha irmã Zizinha, lavava as roupas, com água tirada do poço, usando sabão feito em casa. Pra quem não sabe, tina era uma espécie de meio tonel de madeira que servia para guardar a água  usada para enxaguar as coisas que eram lavadas.

O sabão era feito de gordura animal, acrescida de outros ingredientes e soda cáustica. Havia também o sabão de cinza, feito em casa mesmo, que tinha o formato de uma bola de bocha, e era conservado em palha de milho. O sabão de cinza era muito usado para lavar a cabeça. O quintal era enorme, largo e fundo, fazendo fronteira à direita com a casa da Dona Filomena, à esquerda com a casa dos Vessoni, Sr. Carlos e dona Doralice, e ao fundo dois vizinhos: à esquerda, a casa do tio Antônio, que tinha uma casa de ferragens na Av. Campos Salles e à direita, a família Brunelli. Como vêem, não bastasse meu pai ser filho de italianos, nós vivíamos cercados deles!

Mudando pra calçada da frente, além da Donana, tínhamos a casa do Inácio Kojorovsky, inquilino do Sr. Angelo Mortati, e na casa da esquina a familia do Sr. Gabriel Feres e dona Maíba, libaneses inquilinos do Sr. Lutaif. Lembro-me de toda esta família chegada do Líbano: era uma penca de filhos. O Neme, a Jorgeta, o Nabi, o Nagib, a Inez, o Feres, que eu me lembro. A gente brincava juntos, eles ainda usavam muitas palavras em árabe, e a gente ia aprendendo com eles; na hora de brigar, eles nos chamavam de “pulenteiros” e nós, os italianinhos, os chamávamos de “rabatachos”! Mas as brigas eram raras, o que prevalecia era uma grande amizade que íamos construindo. O Sr. Gabriel deixou este mundo prematuramente, entristecendo todo o bairro, era homem muito querido, por sua bondade

Dona Maíba, de repente, viu-se às voltas com as durezas da vida! Heroína e guerreira, tocou em frente, formou todos os filhos construindo uma família unida, valorosa e decente! Esta brava mulher merece nossa homenagem e nossa admiração.

Naquela esquina, Francisco Porto com Bernardino de Campos, havia a casa da família Feres, na quina da frente o depósito de café beneficiado do Sr. Carlos Vessoni, na quina da esquerda a casinha do Vitório Zarelli e na outra era o Tiro de Guerra! Pois é, o Tiro de Guerra, naqueles anos fim dos 30, começo dos 40, era ali, em mais uma das casas do Sr. Lutaif. O sargento, Flávio Araújo morava na casa, a tropa fazia sua ordem unida na rua e suas aulas teóricas num galpão ao fundo. Quando o Tiro de Guerra saiu dali, o Sr. Lutaif transformou  o galpão numa casa, que mais tarde o Sr. Augusto Possari alugou pra  que seus filhos, Lourdes e Claudovino pudessem estudar na cidade.

Prédio onde se faziam apresentações de óperas, a "Lira Itapolitana" e depois ocupado pelo Tiro de Guerra e hoje(2009) funciona a Câmara Municipal

A quadra ainda tinha outros árabes e outros italianos, como os Carelli, na esquina da Campos Salles com a Bernardino de Campos. Nesta esquina ainda tínhamos a família do Sr. Iussef Chammas, conhecido como Zezinho Chammas, com seus filhos Julieta, Sarah, Jorge, Teodósius, João e Sumaia. Na quina da esquerda havia o prédio da Fábrica de Balas e Rebuçados, um tipo de guloseima doce que vinha embrulhada como as balas(depois foi o 1º prédio da Itaplastic, que após algum tempo mudou-se para o Distrito Industrial I - hoje -11/ 2009-Agropecuária Tijuco Preto). E na outra quina, onde hoje restou um grande terreno que conserva as velhas árvores, era uma loja bem conhecida, a Casa dos 2 Irmãos, do Fuad e do Camillo, que depois casou-se com a Sarah, filha do Sr. Iussef Chammas.

Como vêem, nesta amostra de uma quadra ainda incompleta, italianos é que não faltavam, e quando não eram italianos, eram árabes.

Naquele trecho ainda tínhamos os Gianzanti, os Nigro da Campos Salles, o Nucho Tarallo, da Casa Santa Cruz, o Evaristo Puzzi, os Tronchini, da marcenaria. Tutti buona gente!

 

Eram tantos os italianos da nossa Itápolis, que eles fundaram um teatro lírico, para apresentação de óperas, que se chamava “Lira Itapolitana” e ganhou um predio na Florêncio Terra, ao lado do grupão. Mais tarde ocupado pelo Tiro de Guerra, onde é hoje a Câmara Municipal. Tem muita razão o Alcides Cacini, ao intitular seu primeiro livro sobre a cidade, de “Italiápolis”