Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis XVII

Fachada do Ginásio Estadual e Escola Normal, depois Prefeitura Municipal e hoje Centro Cultural, cujo quadro de professores sempre foi o grande orgulho dos itapolitanos da época

Na Na minha mais tenra Itápolis, desde o ano de 1929, uma escola marcava com grandeza e prestígio o nome de nossa querida terra. Era a Escola Normal de Itápolis, cuja missão preponderante era a de formar os futuros professores de nível fundamental, que iriam atuar nas escolas isoladas da zona rural e nos grupos escolares da zona urbana. Era a escola formadora do professor que, na minha opinião de educador, é o pilar principal na construção do futuro cidadão: o professor primário! O que fariam os professores secundários, os professores de nível técnico e de nível universitário não fosse o trabalho árduo daqueles que recebem crianças em estado de carência instrutiva quase total, verdadeiras folhas em branco e nelas imprimem as primeiras letras, a primeiras sílabas, as primeiras frases, os primeiros cálculos aritméticos, as primeiras noções de ciências, de geografia, de história. E nossa querida Itápolis já começou a formar e produzir profissionais tão essenciais, os professores e professoras primárias, já naquela época, há 80 anos atrás.
Lembro-me, como se fosse agora, devia eu ter 3 anos de idade, quando as pensionistas de minha mãe, a Olinda Xavier, de Tabatinga, a Alice Guimarães, de Novo Horizonte, normalistas, passavam horas estudando com dedicação total, para poderem acompanhar o curso que faziam com verdadeira devoção. E quantas vezes as vi chegar chorando por terem recebido notas baixas, apesar de seu esforço concentrado. Era o nível de ensino que fazia de nossa Escola Normal, motivo de orgulho de seus alunos, mas também motivo de temor, pelo seu rigor pedagógico.

A antiga Escola Normal tinha, além de suas aulas regulares no prédio da Escola Normal e Ginásio Estadual de Itápolis, uma Escola Modelo de Aplicação, que, no meu tempo, funcionava num prédio situado na Avenida 7 de Setembro, entre a Avenida Eduardo Amaral Lyra e a Avenida Campos Salles e bem defronte à máquina de café do Sr. Salim Haddad, também conhecido como Salim Ferreira, hoje residência do Sr. Sylvio Francischetti. Naquele prédio funcionavam classes dos quatro níveis do Primário, do 1º ao 4º anos. Era uma escola a mais a serviço da população. E estas classes serviam de campo experimental para os futuros professores. Conduzidos pelo professor de Didática, os normalistas do 3º ano, já formandos, portanto; ali praticavam, durante todo aquele ano, orientados que eram a preparar suas aulas, reunindo cartilhas, mapas e material ilustrativo.

Uma escola assim, de ótimo nível teórico e com este aparato favorecendo à prática ainda na formação do futuro profissional do ensino, só podia dar excelentes frutos. Foi certamente por isto, por ter acompanhado os estudos das normalistas pensionistas da Dona Bebé, como a Olinda, a Alice, a Joanita, a Alcida, todas normalistas e excelentes alunas, que, mesmo sabendo que meu destino seria o curso superior me matriculei no Curso Colegial Científico e no Curso Normal também, este eu cursava à tarde, o outro, à noite.

Prof. Luis Amoroso e Dª Bibi, responsáveis pelas classes de Trabalhos Manuais e Prendas Domésticas, esta só para mulheres

Conheci bem a Escola Normal “Valentim Gentil” nos anos 49, 50 e 51. Meus mestres eram a Dona Maria do Carmo Ribeiro, de Psicologia, a Dona Araci Nogueira, de Pedagogia, a Dona Wanda La Laina Porto, de Didática, o Professor Petrônio Pinto, de Desenho, o Professor Armando Volet, de Biologia, mais tarde substituído pelo Professor José Thiago, o Professor Edésio P. Franco, de Complementos de Matemática, o Professor Luis Amoroso, que com a Professora Abgail (Dona Bibi) Sene Rondelli, dividia as classes masculina e feminina de Trabalhos Manuais e Prendas Domésticas, esta só para as mulheres. Espero não ter esquecido ninguém, se o fiz, peço desculpas. No Curso Normal não se estudavam as línguas estrangeiras, nem o Latim.
Preciso contar uma passagem que marcou época, naqueles anos deliciosos. Estávamos no 3º ano e a Professora Wanda La Laina Porto nos orientava na prática das aulas na Escola de Aplicação. Entre os colegas estava o futuro prefeito de São José do Rio Preto, o então jovem. vindo de Engenheiro Schimidt, Adair Vetorazzo. O Adair, que era pensionista da

Dª Wanda La Laina Porto a orientadora na prática das aulas na Escola de Aplicação

dona Páscoa, esposa do Zezé Celli, era magérrimo e muito alto, o que lhe valeu, entre nós, o apelido de Lingüiça. O Adair era muito tímido, tanto que ninguém o imaginava um futuro político de sucesso, foi também Deputado Federal. Mas, aí em Itápolis ainda mostrava uma incrível timidez. E chegou o dia de ele dar sua aula-teste. Preparou com esmero, reuniu material de primeira qualidade e se apresentou na Escola de Aplicação às 8 em ponto da manhã. Pra gente descontrair, dona Wanda ensinava a gente entrar na classe da criançada assim: “Bom Dia!” – a classe repetia “Bom dia!”, e o “professor” emendava “Sabem quem sou eu?”, a classe respondia “Não” e a gente falava o nome. Pois bem, o Adair chegou trêmulo, cor de alvaïade, entrou na classe e sussurrou: “Bom dia!, sabem quem sou eu?” e a classe todinha em côro: “Lingüiça! Lingüiça!, Lingüiça!” – o aprendiz de professor saiu correndo, desabalado pela avenida e quem disse que alguém o alcançava?
A Escola Normal de Itápolis teve inúmeros mestres, que me lembre, já depois que saí formado, lá ministraram aulas a Professora Nely Lutaif, a Professora Marina Micali, a Professora Yolanda Santoro, a Professora Maria de Lourdes Porto Francischetti, minha coleguinha de Dona Mazé, a Nenê, a Professora Lia Garcia de Freitas, de Psicologia, que também foi pensionista de minha mãe e tantos outros mestres, que merecem de nós todos uma homenagem especial.
É preciso lembrar também que a antiga Escola Normal, que tanta falta faz hoje ao nosso sistema de formação do magistério, incentivava seus alunos oferecendo um prêmio especial a aqueles que tiravam os primeiros lugares nos 3 anos do curso: a Cadeira Prêmio! Isto significava: o aluno ou a aluna que conseguisse o primeiro lugar em notas, no 1º, 2º e 3º anos do curso, recebia como prêmio uma cadeira no ensino primário oficial, sem precisar fazer concurso de pontos, que era a forma usada para o acesso aos cargos. A nova professora, o novo professor, assim que se formava, tratava logo de arrumar uma escola pra iniciar sua carreira, fosse longe como fosse, e ia juntando pontos, até alcançar o patamar exigido por lei para se efetivar.
Na minha classe havia 3 fortes candidatas ao prêmio! Vou dar-lhes o nome de solteiras: Mercedes Semeghini, Mariinha Compagno Rodrigues e Mariquinha Brambilla. A briga era feroz, disputavam palmo a palmo, mas a vencedora foi a filha do Sr. Julio, a Mercedes. Nós, rapazes, assistíamos do fundo da classe aquela disputa saudável.
O ensino paulista perdeu demais com a extinção da Escola Normal, substituída por um curso suplementar, opcional, do novo modelo de Colegial. Assim como foi desastrosa, embora as autoridades não reconheçam ou nem se dão conta, a introdução do novo modelo de curso fundamental de 8 anos, cujos resultados aí estão, diplomando crianças semi-analfabetas. A divisão Grupo, Ginásio, Colegial funcionava muito bem, oferecia um ensino de ótima qualidade, não sou só eu que o afirmo!

A imensa alegria de rever a queridíssima Dª  Dalva, ao lado dos familiares, presente nas festividades dos 80 anos do Colégio Valentim Gentil

Por isto é com imenso sentimento de gratidão a aqueles mestres maravilhosos, pra começar da lendária Dona Mazé, passando pelos mestres Dona Linah, Dona Natalina, Dona Dalva Caivano, Prof. Aureliano, Prof. Tamerick, Prof. Mery Minhoto, Dona Idalina Mucari, Dona Maria do Carmo, Prof. Célio Mendonça, Professora Nely Lutaif e tantos outros que militaram nos vários cursos do nosso querido “Valentim Gentil” que queremos render nossa homenagem nesta data festiva!
Também são alvo de nossa gratidão e nossa homenagem os diretores que conduziram nossa querida Escola. Citemos, representando aqui todos eles, o Prof. Ernesto Ferrari, a Profª Dalva Nery Caivano, o Prof. Juvenal Jacques, o Prof. Dr. Arnaldo Maradei, o Prof. Geraldo Antônio Gentile, o eterno “Rodrigues”-personagem do Prof. Tamerick, sua esposa Janair Butarello Gentile e também o pouco lembrado Professor Mauro de Oliveira, que foi nosso diretor nos idos anos 50, pessoa de tamanho prestígio nos meios educacionais que dá seu nome a uma grande estabelecimento na Capital do Estado, a EEPSG “Prof. Mauro de Oliveira” e a uma praça do bairro do Belém, também na Capital.
 

Prof. Aureliano Castelar de Franceschi, o excelente professor de Inglês

E por último, neste número comemorativo, nossa gratidão aos funcionários de todas as épocas. Nossa homenagem ao grande Patrono, o querido Deputado Valentim Gentil, político de quem podemos nos orgulhar e antes de tudo, cidadão itapolitano.

 

Grande orgulho dos itapolitanos de então, era o quadro de professores do Ginásio, da Escola Normal e mais tarde, do Colégio. Quando eu ainda cursava o Grupo Escolar, me lembro de ouvir louvores à sabedoria e competência dos excelentes professores dos anos 30 e 40.

 No Latim, brilhava o professor Abelardo, aquele homem alto, magro, imberbe, que não só dominava a língua dos antigos romanos, como o grego e o francês; na Matemática cintilava a estrela do professor Marão, careca e robusto, exigente e rigoroso; no ensino do Português a figura inesquecível do professor Aureliano, cujo nome os alunos gostavam de repetir completo: Aureliano Castelar de Franceschi, porque soava gostoso como as aulas dele. No Inglês, que começava na 2ª série (hoje 6ª), a figura simpática, querida e divertida do saudoso e inesquecível Professor William Tamerick, aquele estoniano dócil, fala mansa, autor de grandes “tiradas”, arguto, bem humorado e por quem, nós alunos, nutríamos verdadeira paixão! Estudei línguas em Itápolis e na Faculdade de Filosofia da Rua Maria Antônia, da USP, mas posso afirmar sem medo de ser injusto: o francês que levei daí, das aulas da excelente e rigorosa Dona Dalva Nery Caivano me levaram a brilhar na Faculdade, a ponto de ser indicado pelos mestres franceses do curso de Letras Neolatinas, para a cátedra da primeira unidade da Unesp, fundada em 1957. Inglês não cursei mais, mas o que aprendi com o professor Tamerick foi suficiente pra eu consultar compêndios editados na Inglaterra e para ajudar colegas do curso de Anglogermânicas a traduzir textos em inglês.