Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis XII

Na minha mais tenra Itápolis, anos 30 e 40, a população era ainda pouco numerosa, por isto todo mundo se conhecia e as pessoas que tinham atuação mais destacada se tornavam  figuras populares, benquistas pelos itapolitanos.

Eram muitos os cidadãos populares, vamos destacar alguns, visto que o espaço desta coluna não daria pra citá-los todos. Lembro-me do Paiva. O Paiva era um homenzarrão, forte como um búfalo, terno e simpático, que caminhava cumprimentando os passantes com seu infalível “Paiva Paivante!, Paiva Paivante” como quem dissesse “Olá, aqui estou eu!” E os que com ele cruzavam respondiam no mesmo tom “Oi Paiva Paivante” Parece uma bobagem, mas se você tivesse acordado de mau humor, aquele encontro já desanuviava a sua mente e abrandava seu coração. O Paiva não recusava serviço, por mais pesado que fosse; limpava quintais, recolhia e empilhava a lenha que o lenheiro tinha entregado, amontoada na calçada; Paiva era  solícito e respeitoso, por isto gozava da confiança das famílias, Se o Paiva não estiver mais entre nós, é que estava na hora de recolher as colunas do céu!

Nesta coluna quero destacar a figura de um cidadão que sintetizou a alma itapolitana, seu amor á cidade, seu talento satírico, seu humor criativo e irrepreensível. Destaco, numa homenagem e num preito de saudade, o meu querido Zezé Celli

José Celli, o Zezé, era de família tradicional de nossa terra. Casado com dona Páscoa tinha duas filhas que ele adorava como nunca vi outro pai amar tanto seus filhos, a Maria Lyra e a Lúcia, corrijam-me se estiver errado. (Obs. Eu erro, gente, nem sempre a memória me traz o nome correto! Aproveito aqui pra corrigir o nome do esposo de dona Anita Gentil, comerciante falecido precocemente, a quem chamei de Maurílio Ferraz, quando seu nome certo era Maurílio Leite – peço desculpas!). Mas, o Zezé era barbeiro de enorme clientela, sucesso que se devia à sua perícia profissional, mas também ao seu humor invejável e às suas tiradas incríveis. Quando eu ainda morava aí (parti para os estudos no comecinho de 1952), seu salão ficava na descida à direita da Av. Valentim Gentil, entre a Rua Padre Tarallo e a Rua José Trevisan, vizinho  da Camisaria Allets, do Mazzini Stella e da Livraria e Papelaria  do Professor Morato. Mais tarde, seu salão mudou-se para a Rua Rio Branco na quadra da Igreja Matriz, ao lado da Padaria Cardilli

Cheguei à adolescência produzindo uns fiozinhos de barba sem vergooonha que só vendo. E fui ao barbeiro! E onde fui cair? Na barbearia do Zezé Celli! Sentei na cadeira, ele lascou a pergunta: “Cabelo, né?”, e eu respondi: “Não, barba!” E ele: “Baaarba é?” Abaixou-se, pegou do pé da cadeira uma corneta que ali estava escondida, deu um toque militar! Eu, espantado perguntei: “O que é isto, sêo Zezé?” Ele me explicou: “Estou dando o toque de reunir no queixo, ué!, senão, como é que vou enxergar sua barba, rapaz?!” Eu tive um acesso de riso que fez coro com todos os presentes! Viram só? Este era o Zezé Celli.

Doutra vez estava eu lá, aguardando a vez, quando o Zezé pegou o telefone, pediu pra telefonista ligar urgente “pro tio Antônio Celli”  A moça ligou depressa e ouvimos esta fala do Zezé: “É o tio Antõnio?  Tio, aqui é o Zezé! Cuida de por os livros da loja em ordem já, tio; tem fiscal na praça, tio!” e em seguida: ”Por que, tio? É que o Zé Lutaif passou aqui andando depressa, tio!” – O querido Zé Lutaif, filho do comerciante e Vice Cônsul do Líbano, sêo Lutf Lutaif , era o moço pacato que cuidava da Casa Lutaif. Sossegado e paciente, o Zezé o tornou ícone da tranqüilidade aquela  hora!

O Zezé Celli adorava satirizar, criava apelidos notáveis e tinha tiradas inesquecíveis, como esta: “Você quer encontrar gente de Itápolis lá em São Paulo?  Vá onde tem uma batida de carro com aquela roda de curiosos! Aquele que estiver ali, comendo amendoim e olhando, pode ver que é de Itápolis!”

Pra encerrar: Certa vez, um conhecido comerciante que tinha fama de muito pão-duro, ficou acamado por alguns dia, sem ir à loja. E quando alguém ficava doente naquela Itápolis, todo mundo ficava sabendo, todo mundo comentava. E o Zezé abriu o salão aquela manhã, os fregueses foram chegando, tomando seus lugares, quando o simpático barbeiro anunciou: “Sêo Fulano sarou! Já tá na loja trabalhando!” Alguém perguntou o que que ele tinha, o que que curou o homem!, e o Zezé arrematou: “Parou com os remédios da farmácia, tomou um chá de notas velhas, gente! E não é que o homem sarou?!”

Vocês entenderam agora por que tenho tanta saudade da minha mais tenra Itápolis?