Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis XI

Benedito Braga, o popular "Mineco", figura inesquecível que vendia amendoim na esquina da Av. Pres. Valentim Gentil com Barão do Rio Branco, em frente ao prédio em que hoje funciona o Banco Real
 

Na minha mais tenra Itápolis, Leitão, Butina, Pécora, Pureza, Maria Antonia, Carlota, Sebastião Tonto, Venuto, Rico Piola, Mineco, e muitos outros cujo nome ou apelido não me vêm à lembrança, eram os tipos mais populares, aqueles que davam à cidade um colorido todo especial, humano, singelo, com a marca dos filhos de Deus. Havia outros, como o Capóccia (pronunciava-se Kapótchia), que costumava ir tomar seu “bichiere di vino” na Lusitânia. Uma noite, o pobre mal acabou de beber seu copo de vinho, teve uma parada cardíaca e caiu morto. Aí o vinho que ele estava tomando mudou de marca: os freqüentadores dos bares da época pediam assim:  “me dá um copo do VINHO QUE MATOU O CAPOCCIA!“.

Padaria Luzitânia(hoje Padaria e Restaurante São Dimas), tinha a fama de ter o melhor pão da cidade e onde o Capóccia tomou seu últiimo gole de vinho

Outro cidadão que marcou presença na velha Itápolis, foi um italiano grandalhão, quase um gigante, que tinha uma oficina de torneiro mecânico ali na Rua Jose Trevisan, bem na metade do quarteirão, entre a av. Valentim Gentil e a av. Florêncio Terra. Solitário e anti-social, o Pasiani tinha gestos e atitudes que surpreendiam pela excentricidade. Várias histórias corriam a seu respeito. Ele costumava deixar a porta de ferro da oficina aberta quando saía pra fazer uma entrega, ira ao banco; colocava uma barra de ferro atravessada na entrada que indicava “fui ali, volto logo”.

Naquele tempo a gente amarrava o cachorro com linguiça e ele não comia; mas numa certa época o Pasiani começou a perceber que alguém vinha visitando sua gaveta e alguns trocados andavam desaparecendo. Ele bolou uma armadilha imperceptível, com uma lata de tinta-óleo azul. Não deu outra, o larápio foi pego de surpresa, quando abriu a gaveta a tal lata foi alçada pra cima da cabeça dele e entornou toda a tinta azul na cabecinha raspada do moleque esperto! Foi muito fácil identificar o pequeno “meliante”, pois aquela tinta demorou mais de mes pra sair do couro cabeludo do espertinho.

O Pasiani costumava jantar no restaurante do Boulevard. E seu prato predileto era a macarronada, que lhe era servida numa verdadeira bacia, o homem era um bom garfo! Pra acompanhar a massa, serviam-lhe uma jarra de vinho tinto. Uma noite em que ele estava jantando, alguns rapazes que por ali faziam hora, resolveram fazer uma brincadeira de mau gosto com o Pasiani. Apostaram com um rapaz deficiente mental, que sempre frequentava o local, que ele não teria coragem de cuspir no vinho do Pasiani. Como o prêmio era atraente, uma nota de dez mil reis, o infeliz se arriscou. Aproximou-se da mesa do torneiro e lascou uma cusparada dentro da jarra de vinho. Mas foi seguro pela enorme mão do dono do vinho. Pois não é que o Pasiani segurou o rapaz pela nuca, comprimindo seu nariz, forçando que ele abrisse a boca e o fez beber  quase todo o vinho! Os apostadores sumiram do bar e o deficiente foi carregado pra casa, tão bêbado ficou!

Eu era criança e cresci morrendo de medo do Pasiani, tanto que à menor arte que eu aprontava, meu pai ameaçava: “Vou falar com o Pasiani, você vai trabalhar na oficina dele”, não precisava nem bater, eu implorava pra ele não fazer aquilo e prometia nunca mais aprontar. Apesar de o Pasiani ser personagem tão familiar pra mim, também não soube nunca seu nome completo, nem de onde ele viera! Como descobri que o nome do Butina era Ricardo e como não sabia o nome do Leitão! Do Leitão eu não sabia, pois agora eu sei! Depois que o Diário da Cidade caiu nas mãos dos leitores, nesta terça feira, 21 de julho, recebi um surpreendente telefonema, que me deixou comovido! Era dona Yayá, cujo nome de registro é Maria Aparecida Sobrano.

Ela ligava daí de Itápolis, pra me dar o nome completo do Leitão: Francisco Leite de Siqueira, seu primo em segundo grau!  E dona Yayá me contou mais! O Leitão era filho de José Leite de Siqueira, irmão de dona Benedita de Jesus Sobrano, mãe do Rosalino, pai da dona Yayá., e o Leitão tem irmão vivo, que mora aí em Itápolis, o Gumercindo. Pelos relatos de dona Yayá, o Leitão  era muito querido por toda a família. Contou-me também que ele fora soldado na Revolução Constitucionalista de 1932, esta que acabamos de comemorar dia 9 passado. Na frente de batalha ele levou um tiro na cabeça e a bala ficou alojada ali até sua morte em fins de 1957. A família atribui a este fato, sua alteração de comportamento. Então, gente, o Leitão não é apenas um herói municipal, pela lição que deu naquele delegado fascistão. É também um herói constitucionalista! Viram só?