Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis X

Benedito Braga, o popular "Mineco", figura inesquecível que vendia amendoim na esquina da Av. Pres. Valentim Gentil com Barão do Rio Branco, em frente ao prédio em que hoje funciona o Banco Real

Frei Elias

Na minha mais tenra Itápolis, naquela Itápolis do Boulevard, do footing na praça, do Cine Theatro Central, da Douradense, do Capitão Venâncio, do Coronel Teodoro, do Pero Neto, entre figuras públicas as mais destacadas, como o Zezé Celli, o Mazzini Stella, a Dona Mazé, a professora Nhanhã, o maestro Rafael Del Guércio, o frei Elias, a Irmã Gina, a Irmã Villa Rica, o Mineco, o Pica-fumo, o torneiro Pasiani, o Ismael Palhares, o Stanislau, que na verdade se chamava Missislawa Kinestautas, entre tantos outros, vou destacar hoje os tipos inesquecíveis do Butina e do Leitão.

O Butina, cujo nome verdadeiro ninguém sabia, era um tipo de estatura mediana, magro, cabelos levemente ondulados e já meio ralos, boca destacada por ser grande, e que bebia, bebia, mas bebia mesmo, tanto que já pelas 2 da tarde ele já caminhava trôpego e falava com a voz pastosa. O Boulevard e suas cercanias eram seu território, ali não tinha bêbado pra fazer páreo com ele!

O Butina que eu conheci era o tipo de bêbado na fase alegre, divertida. É, Porque o alcoólatra conhece 3 fases básicas na sua carreira: a primeira, quando ainda jovem, ele bebe e fica alegre, engraçado, diverte os circunstantes com suas tiradas, suas estrepolias; a segunda é quando ele bebe e fica chato, repetitivo, vai perdendo o lado cômico, que dá lugar ao bêbado inconveniente; e a terceira fase, é quando ele bebe, nem agüenta muito mais, mas fica mal humorado, impertinente, alguns violentos e duros de suportar.

O Butina era o bêbado em estado de graça. Todo mundo gostava dele e se divertia com ele. E ele uma vez ficou tão bêbado que nem percebeu que iria praticar um ato de heroísmo que espantou a todos que se encontravam na frente do Boulevard, naquela noite de tempos de eleição municipal. O clima da disputa andava quente e aconteceu um entrevero de dois adversários ferrenhos. Do bate-boca eles partiram para a agressão física e surpreenderam os presentes, tirando cada um sua arma de fogo. E se engalfinhavam no meio da rua. Nós, que estudávamos no antigo Valentim Gentil, ali na esquina, atraídos pelo alarido da briga, assistíamos a tudo pelos vitrôs do segundo andar. E qual não foi a nossa surpresa quando, a passos trôpegos, quase caíndo, lá vem o Butina, se abraça aos dois briguentos, pega a arma de um, derruba a arma do outro, e põe fim ao duelo do faroeste eleitoral!  Isto virou assunto de mais de mes na cidade!

Prédio onde o Butina parava toda noite quando ia para casa, hoje funciona a Câmara Municipal

Este mesmo Butina, toda noite, quando ia embora pra casa, lá na saída de Tabatinga, primeiro parava em frente do antigo prédio em que hoje funciona a Câmara  Municipal, juntava suas últimas forças pra esmurrar a robusta porta de madeira e chamava chorando pelo seu pai e pela sua mãe. E os mais antigos explicavam o porque daquele ritual melancólico. Ali naquela porta, nos idos tempos em que ali era o prédio da Lira Itapolitana, o teatro lírico fundado e mantido pelos imigrantes italianos, houve um tiroteio, por motivos políticos, e seus pais ali foram mortos. E eram ali chorados noite por noite pelo filho que caiu no mundo: o nosso Butina!

Agora vamos lembrar do Leitão. Também nunca soube seu verdadeiro nome. Leitão era um homem de meia estatura, só que, ao contrário do Butina, não era magro, era forte, peito robusto, postura ereta. Levemente pardo, cabelo quase pixaim, o Leitão era quietarrão, quando falava usava poucas palavras. E bebia, bebia, mas bebia pra valer. Tanto que diziam que “onde o Leitão cospe, nasce um pé de cana!” Só que, diferente do Butina, o Leitão era trabalhador. Quando o Leitão sumia da cidade, e sumia por 3, 4 meses, é que estava trabalhando na roça. Trabalhava nas colheitas do algodão ou do café, riquezas agrícolas da Itápolis de então. Acabava a safra, dinheirinho no bolso, aparecia o Leitão e já tinha o destino certo pro que sobrasse das suas necessidades básicas. O Butina dependia de ajudas, de esmolas, o Leitão nunca ninguém viu pedindo.

E também o Leitão teve seu dia de herói!

Atuava na cidade, nos anos de chumbo do nazi-fascismo (Hitler na Alemanha, Mussolini na Itália), um delegado de polícia linha dura, de nome Epaminondas Barras. Um tipo altão, cabelo comprido só na nuca, sempre trajando terno branco, morava solitário no Hotel Modelo. E andava praticando o método fascista do Mussolini, mandando a polícia aplicar surras memoráveis nos bêbados e desocupados que perambulavam pela cidade. Diziam até que ele os obrigava, à moda de Mussolini,  a beber óleo de rícino, substância que provocava a maior diarréia em quem tomava. E o Dr. Epaminondas mandou prender o Leitão. Não é preciso dizer que foram precisos 4 soldados, aqueles de farda cáqui da época, pra segurar e arrastar o homem até a cadeia municipal, que ficava na parte térrea do prédio que  hoje abriga o Museu. E o arrastaram batendo forte e, já lá dentro da cadeia, surraram o pobre sem piedade! Tudo a mando do tal delegado.

Pois bem. Passaram-se uns dias e o Dr. Epaminondas cortava o cabelo na barbearia do Torricelli, quando surge, de repente, o recém libertado Leitão. Dizem os que estavam presentes, que ele tirou o delegado da cadeira do barbeiro, não sei se o Torricelli ou o Neguito Mascari, e aplicou-lhe uma surra memorável, deixando o elegante e bem trajado manda-chuva em frangalhos, que apanhou até conseguir fugir apavorado até o hotel, donde partiu de carro de praça para nunca mais pisar em Itápolis! Isto foi um ato justo, você  pergunta? Como nenhum dos presentes moveu uma palha pra apartar a briga, pra tirar o Leitão de cima do homem, acho que foi.