Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis

 

Minha mais tenra Itápolis, ainda eu muito criança, envolveu-se num dos movimentos políticos de maior significado histórico deste país: o integralismo. Foi um movimento importante porque, num Brasil que ainda não tinha alcançado os 50 milhões de habitantes, a Ação Integralista Brasileira, fundada pelo escritor modernista Plínio Salgado em outubro de 1932, já em 1936 contava em suas fileiras com quase 1.300.000 militantes inscritos, fora os milhares de simpatizantes.

Benito Mussoline e Adolph Hitler
 

Inspirado nos modelos fascista de Benito Mussolini e nazista de Adolph Hitler, a Ação Integralista  tinha a simpatia da ditadura Vargas e a oposição dos intelectuais brasileiros. Como os camisas pretas da Itália fascista e os camisas pardas da Alemanha nazista, nossos nazi-fascistas tupiniquins também vestiam fardas com camisas verdes e calças pretas.

 

No braço levavam um dístico que reproduzia, em azul, a letra grega sigma, que significa soma de valores. E como os fanáticos  italianos que saudavam Mussolini com  “Al Duce” e o ditador alemão  com gritos de “Hei Hitler”, nossos paramilitares  camisas verdes também erguiam os braços e saldavam o chefe com “Anauê”, expressão indígena que significa “Estou aqui!”

Este movimento que se opunha, ao mesmo tempo, ao capitalismo e ao comunismo, empolgou a nossa Itápolis, naquele tempo  dominada pela colônia italiana, ainda muito ligada à “terra nostra”.

Eu tinha 4 anos de idade quando meu pai, integralista convicto, me fez vestir a fardinha do partido, pra recebermos Plínio Salgado, que fazia seus descansos em Taquaritinga, terra de sua esposa, e nos visitava  com certa frequência. Ainda bem que eu não tinha consciência do que significava aquilo tudo, aqueles uniformes, aqueles gritos de “Anauê”, aquelas marchas que partiam da sede do partido localizada na nossa rua, a Francisco Porto, pra cima de onde é hoje a Droga Itápolis. Ainda bem que minha mente não podia ainda perceber o grande equívoco de meu pai, que embarcava no sonho totalitário que infelicitava o mundo da época, levando as nações a uma guerra sangrenta e destruidora.

Plínio Salgado(centro) e seus seguidores

Ainda bem que a tentativa de tomada do poder pelos comandados de Plínio Salgado, Gustavo Barroso,  Miguel Reale e outros, foi frustrada e acabou todo mundo preso, inclusive meu pai e todos seus amigos e correligionários daquela Itápolis. Com a instalação do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937, o golpe institucional que fortaleceu Getúlio Vargas no poder, a Ação Integralista Brasileira foi extinta, lançada na ilegalidade. Anos mais tarde, com a derrota dos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), massacrados pelos Aliados, liderados pela Inglaterra de  Churchill, pela Rússia de Stalin, pelos Estados Unidos de F.D. Roosevelt e pela resistência francesa do General De Gaule, o mundo se viu livre desta horda de indivíduos infectados pelo autoritarismo, pelo conservadorismo exacerbado, pela discriminação racial . Em 1945 os remanescentes do partido fundaram o PRP, Partido de Representação Popular, inspirados na ideologia integralista, disputaram a eleição presidencial de 1955, com Plínio Salgado e sofreram sua extinção definitiva pelo Ato Institucional nº 2, da ditadura militar, em 1964.

Itápolis esquecia os camisas verdes ou galinhas verdes, como eram chamados os homens e mulheres que tinham como lema “Deus, Pátria e Família”. Taquaritinga deixava de ser o polo regional do movimento, com o fechamento do jornal do partido, a “Folha Integralista” e logo o Brasil liquidava a ditadura Vargas para entrar numa fase democrática auspiciosa, que durou até o golpe militar de 1964.

A ação Integralista reunia 114 jornais espalhados pelo país, o principal se chamava “O Monitor”. Mas, nada conseguiu com os dois jornais da nossa querida terrinha. “A Ordem” e “O Progresso”, embora dirigidos por filhos de imigrantes italianos, continuaram independentes e apolíticos. Pra nós, descendentes de imigrantes, o integralismo foi um momento de envolvimento muito mais emocional e saudosista do que realmente ideológico. Quantos e quantos amigos de meu pai, gente boa, gente honesta e trabalhadora, quantos deles apareciam fardados em minha casa! Pra eles deve ter sido um sonho, mas um sonho que, se concretizado, se transformaria num horrível pesadelo, como foi o fascismo e o nazismo para os europeus.