Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Humildade também é Credencial

Voltando o olhar para minha mais tenra Itápolis, vem-me à lembrança um punhado de pessoas que se notabilizaram e se destacaram na vida da cidade daqueles tempos. Não vou falar de celebridades do mundo artístico, político ou intelectual, os simples também se destacam. Seu brilho, sua notoriedade são fruto daquilo que vem de dentro, que brota da alma e se transforma em fonte de simpatia, de graça, de superação e de bom “caratismo”.

Tais pessoas se tornam singulares, de tal forma nos seduzem que deixam de ser comuns, com nome próprio, idade, profissão. Tornam-se seres universais que representam uns a bondade extrema, outros o bom humor constante, outros a essência da humildade, outros os pontífices da sabedoria popular. E somos cada um de nós que vamos rotulá-los, porque estes ícones humanos são interpretados de modo diverso, segundo o ponto de vista de cada um de nós.

Frei Elias

Tivemos muitos padres, frades e freiras em nossa cidade, mas um deles se notabilizou e virou quase uma lenda, sempre lembrado em quase todas as rodinhas saudosistas: Frei Elias! Por que ainda tantos se lembram dele, muitos jovens ainda? Porque este frade franciscanos chegou por aqui nos meados dos anos 40, acompanhado do frei Edwino e do frei Matheus, e mudou a relação dos fiéis com a sua igreja. Conduziu-nos  todos, homens, mulheres, velhos, crianças, moradores da cidade, lavradores, como se fôssemos filhos da nossa Igreja, a extensão da Sagrada Família. Com suas vestes quase maltrapilhas, suas sandálias sem brilho, aquele santo homem nos ensinava a humildade, a nossa real dimensão diante do Universo e diante de Deus. Não construiu no solo da cidade igrejas, erigiu em nós a Igreja, aquela Casa que lembra a manjedoura e a pobreza material do Menino Jesus. Por isto, Frei Elias é inesquecível.

Tínhamos no fim da antiga Av. XV de novembro (Valentim Gentil) um sobradinho de cor branca e aspecto acolhedor, a casa onde vivia um homem simples que sabia ser modelo de amor à família e generosidade com seu próximo, ninguém o conhecia pelo nome, Pedro Sobrano. Chamassem-no assim, ele por certo não responderia, nem os circunstantes o identificariam. “Eu sou o Pica-Fumo, diria ele, você não me conhece?“   Andemos um pouco mais, à esquerda, meio fora de linha, uma casa cor de rosa abrigava o Sr. Chico Tripeiro. Saía pela cidade no seu carrinho-baú, puxado por um cavalo, parava ao chamado do freguês, abria aquela tampa e revelava o conteúdo que lhe rendia o pão de cada dia. Fígado fresquinho, toucinho de porco, miúdos de boi, tripas para fazer lingüiça. Ninguém pensava duas vezes para levar pra casa o que o Tripeiro vendia, dada a limpeza dos produtos e do baú que os transportava. Sêo Chico Tripeiro era pai do Dorival, e foi este filho que me revelou o nome de registro dele: o meu colega de Grupo chamava-se Dorival Monteleone! “Mas você não é da família Tripeiro?” Indaguei;  “Que nada, meu pai se chama Francisco Monteleone” O Dorival tinha irmãs, não sei quantas. Via-as quando passava pela saída da estradinha que levava pra Fazenda do Massari.

Benedito Braga, o popular "Mineco"

Naquele tempo havia vendedores de doces, guloseimas, salgadinhos espalhados pelas praças, na frente das escolas, em pontos movimentados. Usavam um banquinho dobrável sobre o qual pousavam sua cesta com as delícias da criançada. Eram cestas feitas em madeira, com tampa dobrável envidraçada. Havia muitos na cidade, mas dois deles eram os mais queridos: o Sr. Balbino, simpático baixotinho de chapeuzinho de aba estreita, que ficava na calçada de cima do “Jardim”, em frente ao Grupo Escolar. Quantas vezes vi sêo Balbino entregar doces a meninos que os cobiçavam, mas não podiam comprar! O outro ídolo da molecada e dos jovens era o famoso e simpático Mineco! Este homem conhecia e era conhecido de todos, falava um linguajar todo dele, resistia com garbo a toas as brincadeiras, algumas até maldosas, sempre sorrindo e com seu olhar amigo. Mineco, que só bem mais tarde vim saber que se chamava oficialmente Benedito Braga, morava numa casa modesta no terreno do Almoxarifado Municipal, com sua penca de filhos. Vendeu amendoim,  na calçada do cinema, trabalhou como guarda do Almoxarifado, foi por longo tempo lixeiro, trabalhou duro a vida inteira, mas criou seus filhos homens de caráter, queridos por todos da cidade. Nem eles acho que o sabiam Benedito, sua boa fama era de Mineco. E depois de tanta lida, Mineco adorava assistir aos ensaios da banda municipal.

Alguns cidadãos da terra se destacaram como balconistas de lojas, de padarias, de bares. As antigas costureiras e donas de casa hão de se lembrar do Zezinho da Casa Wady. Dominava aquela grande loja de tecidos e confecções desde quando ela funcionava na esquina da Valentim Gentil com a José Trevisan e pertencia ainda ao seu fundador, o simpático imigrante Wady Abdelnur, que a transferiu pr

Conrado Zuanon Sobrinho, também foi torcedor e Presidente do Oeste F. C.

1953 - Oeste F. C. Campeão Regional

Da esquerda para a direita:

Em pé: 2 representantes da F.P.F., Francisco Sendon Garcia, Representante da F.P.F., Conrado Zuanon Sobrinho(Presidente), Marconi, Pierin Granucci, Iraci Marconi, Dalmo, Iraci Coletti, Carlos Antonio Dultra, Zé do Alfredo, João Puzzi, Baía(Técnico), Representante da F.P.F., Prof. Aureliano De Franceschi e Victor Lapenta
Agachados: Ismael Nery Palhares, Marinho Gentil, Ubaldo José Massari, Oswaldo Micheletti(Prata), Joaquim Jacintho, Tequinho Sendon, Walter Ignácio, Toninho Monteleone e Zezo Dultra

a seu comunicativo irmão Sr, Nasry. Zezinho era disputado pelas freguesas, e não eram raras as cenas de ciumeira. Seu nome era José Wérticko, tinha parentesco com os Scaramuzza e paixão pela sua mãe. Moravam os dois, Zezinho nunca se casou, num chalezinho simpático, com a entrada super florida, numa esquina da Rua Bernardino de Campos, esquina com Av. Carlos Gomes, hoje Dr. Eduardo do Amaral Lyra, lá pelos lados da Vila Santos, da Capela de Nossa Senhora Aparecida.  A perda da mãe quase o levou à loucura e o nosso velho cemitério ganhou um verdadeiro canteiro de flores naturais sempre vivas, cobrindo seus restos.

 

Lembram-se do sucesso da Casa Conrado. Ali onde é agora a Loja do Rubinho Guzzo? Pois é! Este sucesso de deve ao desempenho perfeito do Sr. Conrado Zuanon, que, desde mocinho, vendeu tecidos na Casa Santa Cruz, que tinha uma caixa impecável, a Rosa Gardelim, esta  famosa loja do Sr. Núcio Tarallo, irmão da Dona Josefina, esposa do Conrado. Conheceram a Casa Stella? Loja de calçados de grande desempenho na cidade? Pertencia ao sisudo Savério Stella, irmão do Mazzini, que tinha vizinho a ele a Camisaria Allets (Stella virado do avesso), mas que vendia mais canetas e máquinas fotográficas que camisas mesmo. Pois é, ambos tinham muito sucesso comercial, mas as iscas que atraíam os fregueses eram o Olívio Garcia, perfeito para vender sapatos e o José Sene, filho do Narciso, primo de minha mãe. O Olívio sabia dos gostos e das possibilidades financeiras de todas as famílias itapolitanas. Meu pai nos levava em

Carabina - Craque do Oeste F. C. - 1956

Da esquerda para a direita: Em Pé:  Alicate, Baiano, Ernesto Regiani(Reo), Carabina, Iraci Marconi, Walter Hernandes e Prof. João Rômulo Pero
Agachados: ??, Ubaldo Massari, Luiz Destro, Zelão Santarelli, Gil Tarallo e Walter Inácio

penca, uma vez por ano, pra experimentar os sapatos que comprava pra nós. A gente punha os pés naquela loja da Valentim Gentil e o Olívio já nos recebia exclamando: “Chegaram na hora certa! Acabo de por nas prateleiras os mais belos calçados da marca Nigro! Aqueles que o Sr. Vicente aprova!” E logo saíamos todos com os sapatos mais baratos da loja. Olívio era outro notório exemplo de trabalho, dedicação, sempre cortês e educado com a humildade própria dos que nos vestem os pés.

Na esquina da Francisco Porto com a Padre Tarallo, uma grande loja, a Casa Rondelli, vendia presentes finos, noutra seção ferragens, na outra material de construção. O Sr. Belmiro, o dono era exímio vendedor, mas com uma loja daquele tamanho, estaria perdido se não contasse co os hábeis vendedores, Atílio Regiane, na parte de ferragens e o grande Carabina, um cavalheiro que deve ter vindo de alguma corte real da longínqua Àfrica. Exemplo de homem na acepção da palavra, o Sr. João Benedito de Souza, ganhou o codinome de Carabina, por causa do seu tiro de meta como jogador da defesa do nosso velho Oeste F. C. De dia carregava feixes de ferro, de tubos galvanizados, pesadas sacas de cal ou de cimento, mas de noite estava pronto para ensaiar sua clarineta ou seu saxofone, na banda do Raphael Mercaldi. E tinha fôlego pra fechar a defesa do nosso esquadrão oestino.

Gente de fibra, gente educada e pacífica, gente bem humorada, que não conhecia a palavra nem o significado de “stress”. Gente que ajudou Itápolis a se desenvolver, a ser alegre, a brilhar!  Gente que batalhou com as armas da humildade e  do senso do dever. E distribuiu sorrisos!