Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Costumes I

O velho chuveiro "tiradentes" substituiu o "banho de bacia"

Caros leitores. Voltando às lembranças da minha mais tenra Itápolis, aquela cidade de ruas ainda de chão batido, de enormes quintais que mais pareciam chácaras, de chuveiros chamados de “tiradentes”, porque eram latões pendurados por uma corda, cidade de água de poço, que alguns chamavam de cisterna, de fossas construídas no quintal, bem longe da casa, que chamávamos de privada e que nos sítios chamavam de “casinha”, enfim uma cidade completamente diferente da que é hoje, minha mente vê todo este mundo tão simples, povoado por pessoas que ostentavam roupas, calçados, penteados, modo de andar e de falar e hábitos que já não se usam e não existem mais.

Falávamos mais alto, assobiávamos cantigas pelas ruas, cumprimentávamos e éramos cumprimentados a cada encontro de pessoas, fossem amigos ou não, fossem vizinhos ou não, porque conhecíamos e sabíamos o nome de todo mundo. Eu nasci e cresci na parte baixa da cidade, a poucos quarteirões (olha que ninguém naquela época falava “quadra”) do fim da rua, cuja última casa era a do Sr. Antonio Rosa, fazendeiro de origem africana, chefe dos espíritas da cidade. Mesmo assim, eu sabia quem era cada um, cada família de todas as casas da cidade, até mesmo daquelas que ficavam atrás do Hospital de Misericórdia, na antiga saída para Taquaritinga, que hoje é a rua que leva ao Clube de Campo. Assim como eu, todo mundo sabia tudo de todo mundo, é claro que falo de modo relativo, os segredos eram segredos, as confidências ficavam entre quatro paredes.

Numa cidade assim, era raríssimo você se sentir sozinho, a solidão física era quase impossível. A solidão da alma, isto era, como é até hoje, imperscrutável. Podia ocorrer, mas creia que durava bem menos que nos nossos dias, pois era logo quebrada por uma presença e por palavras e gestos amigos. E amigos naquela época não eram amigos de bar, de boteco, de cervejadas em mesinhas na calçada. Naquele tempo não existia isto, a calçada

O rio, que era mais ou menos assim, também tinha vários "tanques", onde a meninada podia mergulhar

era para os passantes, por isto chamadas de “passeio público”; os amigos  eram fruto do convívio no bairro, das visitas que as famílias  trocavam, dos recreios da escola, do colégio ou do trabalho. Os encontros entre amigos eram marcados por motivos objetivos, como ir ao “footing” (hábito de caminhar em grupos de rapazes e de moças, num infindável vai-e-vem que propiciava o encontro, o flerte e não raro o começo de um namoro.). Ir ao cinema juntos, ir a bailes, fossem na cidade ou fora dela; outra fonte de encontros entre amigos era ir em grupo para o campo, aos domingos. Naquele

 

tempo não havia sábado livre como hoje, havia aulas nas escolas e serviço no trabalho, o dia único de descanso era o domingo, ou o feriado, ou ainda o dia santo de guarda. Era de conhecimento de todos que no sítio do Balthazar havia uma “piscina”, com direito a vestiários, árvores frondosas, que garantiam sombra deliciosa; além disto havia o pomar, sempre carregados das frutas da estação; Você pagava a bagatela de 2000 reis e podia colher e saborear quais e quantas quisesse, podendo além disto levar algumas para casa. Outro lugar a que se gostava de ir era o sítio do árabe Tufik Salun, na estrada de Borborema, onde também havia frutas à vontade, melado, rapadura e tijolo baiano. Se a proposta não era nem nadar, nem freqüentar pomares e comilanças, fazíamos passeios pelos campos pelo simples prazer de caminhar, de conversar pelo caminho, de explorar a região. O convívio era pelo prazer de estarmos juntos. Não envolvia bebidas, cigarro, não digo drogas por que isto não existia ainda.

É desta gente que voltarei a falar daqui por diante. De seus costumes, de suas famílias, de suas façanhas. Cada época tem sua gente, seus conceitos, seus costumes e suas paisagens! É bom poder guardá-las como quem guarda uma coleção de telas de pintura, de livros de histórias e de historinhas,  e de melodias.