Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - Raças e Costumes-I

Nos idos tempos das décadas de 30, de 40 e inicio dos anos 50, a presença ainda viva de imigrantes, cuja vinda não ia tão longe ainda, dava à minha mais tenra Itápolis ares muito diferentes dos de hoje. O estilo arquitetônico das casas, seu mobiliário, a divisão dos cômodos, a maneira como eram arrumados, o vasilhame usado, os quitutes e doces que eram servidos, tudo recendia à terra longínqua de onde vieram aquelas famílias.

A maioria das casas da Itápolis de então era habitada por italianos ou seus descendentes bem próximos. Depois da colônia italiana, os árabes e seus descendentes davam o tom oriental das casas. Espanhóis havia poucos, portugueses também, alemães dava pra se contarem nos dedos da mão. Uma boa parte das famílias era constituída de descendentes já longínquos de portugueses, alguns de caboclos, outros de africanos. Mas, não eram muitos. Japoneses eram uma raridade. Do meu tempo de menino só me lembro do Sr. Antônio Japonês, como era chamado o dono do bar do Ponto de Jardineiras. E nunca soube o sobrenome dele. Mais tarde eles foram chegando, aos poucos, devagar, a maior parte atraída pelo nosso principal estabelecimento de ensino, o Valentim Gentil.

O linguajar dos italianos dava o tom do sotaque itapolitano. A gente aprendia naturalmente uma porção de palavras e de expressões que ouvíamos no dia a dia. Ainda vi gente que cumprimentava falando “ciao” (tchau), que é um hábito na Itália: “ciao” quando chega e “ciao” quando vai embora. Os nomes de comidas então faziam parte de nosso vocabulário cotidiano. “Porpeta”, “tagliarine”, “spaghetti”,  “brodo”. “tortei”, “canelone” eram palavras pronunciadas ainda com nítido acento italiano. E a gente xingava em italiano, claro! “Você é um nani!” (você é um bobo!), “buggiardo” (mentiroso), pra citar exemplos. Os meninos árabes ou descendentes chamavam os italianinhos de “pulenteiros”, por causa do hábito dos italianos comerem a polenta sagrada de quase todo dia. E os italianos retrucavam com o batido “raba-tacho”, referência a velho hábito de se servir a comida em tachos.

Na época havia ainda muita gente morando no campo, em fazendas de café, sítios e chácaras. E excetuando-se alguns proprietários rurais que viviam na cidade ou dela foram para o campo, a maioria deste pessoal era bem diferente do pessoal da cidade. A diferença estava no linguajar, na comida, nos trajes, no aspecto físico, na postura! Até o jeito de falar de um italiano do sítio era muito diferente do jeito de falar do italiano da cidade. O morador do campo, o lavrador era um ser desligado da vida urbana, cultuava os hábitos do campo, não imitava em nada o habitante da cidade. Desta forma estabelecia-se uma clara atração mútua: a gente, da cidade, tinha uma enorme curiosidade com relação às coisas da fazenda, do sítio, da chácara. E eles também eram atraídos pelos nossos hábitos, pela vida urbana. Mas isto não nos levava nem a eles a aderir. Cada um continuava na sua, com seus costumes, com suas preferências. Você percebia de imediato que a moça que passava era do sítio, pois se era dia de festa na cidade, dia santo, muito provavelmente ela estava usando vestido de tecido adamascado e brilhante, paixão das mocinhas do campo. Chegavam em troles e semi-troles, apeavam  acanhados, ressabiados e por isto mantinham distância da gente.

E aí também podíamos ouvir uma outra linguagem, uma pronúncia característica, o verdadeiro linguajar caipira. As expressões atestavam a origem: “pra mordiquê”, “banoite!”, “bastarde!” “num carece”, “sartei di banda” e tantas outras expressões, que na escola, quando eles chegavam ao quarto ano, vinham se misturar com o ”manággia”, “è vero!” “porca miséria!” “e viva Dio” numa sinfonia daquela mescla que fundiu e burilou o itapolitano de hoje.  (parte 1)