Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - Família Brunelli - II

Do fundo do nosso amplo quintal, do lado direito, atrás dos cajueiros, ouvia-se todos os dias o alarido alegre de uma família que tinha como marca a animação, a alegria, a comunicabilidade. Naquela casa aberta estavam reunidos sempre todos os filhos do Sr. Ângelo e de Dona Ercília. Eles e elas iam se casando, instalando suas casas ali pelos arredores, mas voltavam para a casa dos pais, onde trabalhavam. O Sr. Mário e o Tito movimentavam a oficina mecânica que funcionava na parte lateral da casa, onde carros e caminhões entravam e saíam pelo portão. Dentro da casa a Nena, a Lydia e a Ida trabalhavam ora ajudando dona Ercília na lida doméstica, e boa parte do tempo, na

A inesquecível Zizinha, no 50º Aniversário do esposo Jacintho Mazzo, que aprendeu a fazer flores tão lindas como as da Nena e da Lydia e que nos deixou um maravilhoso exemplo de vida

confecção de flores e adereços de feltro e outros tecidos. Durante o dia se ouviam suas vozes sempre alegres, durante a noite, com o silêncio noturno, ouviam-se as batidas dos ponteiros furando os moldes colocados sobre uma base de chumbo. Lá da minha casa, no outro lado do quarteirão, esta batida era religiosamente ouvida, em intervalos uniformes que marcavam o ritmo das irmãs floristas. Minha irmã Zizinha sempre comentava: “Ah, eu queria tanto aprender a fazer flores tão bonitas como elas fazem! Um dia ainda vou aprender!” A Amélia, que morava a uma quadra e meia acima e era costureira, costumeiramente trazia seus alinhavos pra fazer ali, no convívio com a família. Nós também, a família do Vicente Nigro, éramos unidos e alegres, mas ainda éramos solteiros e, mais tarde a vida nos afastou uns dos outros, não éramos Brunelli!

Da oficina mecânica, com a participação do Renato, além do Sr. Mario e do Tito,saíram experimentos feitos pelas mentes inteligentes, investigativas e criativas dos filhos do Sr. Ângelo. Lembro-me bem daquele Oldsmobile-32 que o Renato dirigia em marcha à ré com o desempenho de quem roda pra frente. Era a inversão da transmissão, a adaptação do câmbio mecânico bolada pelos três. Houve um domingo até, em que a nossa Avenida Francisco Porto teve o trânsito fechado, numa concessão da Prefeitura, para que o Renato submetesse o Oldsmobile adaptado à sua prova definitiva. O Renato descia à toda velocidade, em  ré, desde a padaria do Santarelli, onde fica hoje a lotérica, até a esquina do posto Atlantic do Armentano, ali ele fazia a curva para cima, sem quase diminuir a marcha, indo parar defronte à sua casa, onde a família aguardava festiva.

Aquilo que parecia brincadeira pra gente, era de fato um aprimoramento técnico que iria resultar em conhecimentos que fizeram do Tito o mecânico de aeroplanos, os aviões Paulistinhas (Teço-tecos) que pertenciam ao Aeroclube de Itápolis. Aeroclube que era movimentado e conservado pelos irmãos Tito e Renato, dois incentivadores da verdadeira escola de pilotos que o Renato comandava. O Renato era danado mesmo. Num cômodo do quintal, que fazia divisa com o nosso, fazia suas experiências. Lá ele fabricava as bombinhas e os morteiros que ia soltar nas festas juninas, lá ele desmontava relógios de bolso e os remontava fazendo-os trabalhar invertidos. O Renato era admirado e tido como gênio por toda gente daquele pedaço de Itápolis.

Mas não para aí a enorme contribuição que os Brunelli deram ao desenvolvimento e ao progresso de nossa Itápolis. O  serviço de alto-falantes, na era anterior à instalação de estações de rádio nas cidades de pequeno porte, era o meio mais comum para movimentar a propaganda, os avisos oficiais, a transmissão das músicas na moda. Rádio?, só as das capitais e das cidades grandes. As fortes eram a Rádio Nacional, as rádios Tupi, Tamoyo e Mairink Veiga do Rio de Janeiro, as rádios Tupi e  Record de São Paulo, a Rádio Guaíba de

Moacyr Ribeiro, técnico especializado, locutor e diretor artístico da Difusora

Curitiba, Rádio Farroupilha de Porto Alegre e, pasmem!, a Rádio Jornal do Comércio de Pernambuco. Na nossa região a primeira rádio que apareceu foi a Rádio 9 de Julho de Araraquara, que se pegava muito mal. Mas cidade que tem a família Brunelli!... ah, é outra coisa. Eles trouxeram pra nossa terrinha a gloriosa Rádio Difusora de Itápolis, ZYQ-4, instalada num prédio da Rua Rio Branco, entre as avenidas Francisco Porto e Campos Salles, com direito a auditório para mais de cem pessoas.  A torre de retransmissão ficava num terreno da Aparecida. Depois de uma fase experimental em que ela funcionava das 18 às 22 horas, nossa querida Rádio Difusora passou a funcionar a todo vapor, sob a gerência comercial do Sr. Jéferson de Castro Ferraz, marido da Nena, sob a direção artística do esplêndido locutor e animador de auditório Moacyr Ribeiro, trazido pelos Brunelli lá de Piracicaba e tinha a manutenção técnica dos irmãos Brunelli.

A nossa rádio era uma gracinha! Abria as manhãs com breve noticiário, logo entrava com o programa “Sempre no meu coração”, que tinha como prefixo musical a canção do mesmo nome, cantada pelo Rei da Voz, o cantor Francisco Alves, o Chico Viola. Era um programa de ofertas musicais, você ia até o guichê da Rádio e entregava um bilhete oferecendo tal música a fulano(a) de tal, como “prova de muito e muito amor” e corria pra casa pra ouvir a música, mas principalmente ouvir seu nome no rádio! A Rádio tinha programa de música italiana, em que tocava Carlo Buti, Beniamino Gigli, Gino Becchi, Tino Rossi, o célebre Caruso. Tinha o de música mexicana, com Pedro Vargas, o padre José Mojica, Fernando Borel, Carlos Ramires, Luísa Landin, Trio Los Panchos;  tinha música clássica na hora do crepúsculo, quando se podia jantar ao som dos acordes de Beethoven, Chopin, Débussi, Schubert, Tchaikovsky, cujo Concerto nº 1, para piano e orquestra, servia de prefixo ao excelente programa. O Moacyr Ribeiro comandava o programa de auditório que empolgava toda a cidade. Ali se apresentavam calouros, músicos locais, contadores de piadas, se faziam concursos. Uma festa semanal. O Moacyr foi embora, instalar a Rádio de Monte Aprazível, e no seu lugar ficou o Feres Khalil, o simpático e competente radialista que acabou namorando e se casando com a Ida, penúltima filha mulher do Sr. Ângelo e Dona Ercília.

Programa de Auditório da Rádio Difusora de Itápolis

1-Hélio Ricoi Camargo, 2-Khalil Feres Jr, locutor, tendo atrás de si, Alberto Sensato (do pandeiro), 3-Silas do Amaral, 4-Geraldo Antônio Gentile, 5- Monclair Portolani, 6-Wladéia Franco, 7-Ariovaldo Pécora (era de fora, salvo engano, morava com a família do Sr. Dante Bacci, para estudar em Itápolis), 8-Leonilde Regiani, 9-Osdemar Tombi, 10-José dos Santos (conhecido como "Zé Oreia"),

A nossa rádio era uma gracinha! Abria as manhãs com breve noticiário, logo entrava com o programa “Sempre no meu coração”, que tinha como prefixo musical a canção do mesmo nome, cantada pelo Rei da Voz, o cantor Francisco Alves, o Chico Viola. Era um programa de ofertas musicais, você ia até o guichê da Rádio e entregava um bilhete oferecendo tal música a fulano(a) de tal, como “prova de muito e muito amor” e corria pra casa pra ouvir a música, mas principalmente ouvir seu nome no rádio! A Rádio tinha programa de música italiana, em que tocava Carlo Buti, Beniamino Gigli, Gino Becchi, Tino Rossi, o célebre Caruso. Tinha o de música mexicana, com Pedro Vargas, o padre José Mojica, Fernando Borel, Carlos Ramires, Luísa Landin, Trio Los Panchos;  tinha música clássica na hora do crepúsculo, quando se podia jantar ao som dos acordes de Beethoven, Chopin, Débussi, Schubert, Tchaikovsky, cujo Concerto nº 1, para piano e orquestra, servia de prefixo ao excelente programa. O Moacyr Ribeiro comandava o programa de auditório que empolgava toda a cidade. Ali se apresentavam calouros, músicos locais, contadores de piadas, se faziam concursos. Uma festa semanal. O Moacyr foi embora, instalar a Rádio de Monte Aprazível, e no seu lugar ficou o Feres Khalil, o simpático e competente radialista que acabou namorando e se casando com a Ida, penúltima filha mulher do Sr. Ângelo e Dona Ercília.

O bar mais popular e bem freqüentado da cidade, o Boulevard Itápolis, situado defronte ao cinema, ladeado à direita pelo escritório do tio Chico (La Laina) e pela esquerda pela Casas Pernambucanas, hoje a loja Ao Preço fixo, este bar era um cartão postal da cidade.

Renato Brunelli, o jovem que faleceu aos 24 anos, vítima de acidente quando pilotava um Teco-Teco

Pertenceu, ainda me lembro, ao Sr. Chico Guzzi, um grande folião carnavalesco, ao meu padrinho de batismo, Manoel Pereira Borges, filho da Dona Candinha, sobrinho do Cônego Borges,  e acabou indo pras mãos do alegre e popular Toninho Del Guércio, marido da Lydia e por isto os Brunelli entraram com sua contribuição ao incremento do Boulevard. Os salgadinhos feitos na cozinha da Dona Ercília e levados em tabuleiros pela fiel e indefectível Nair (que saudade dela!), faziam a diferença! Cansado da vida de bar, o Toninho foi tocar o Cine Central. Depois construiu e movimentou o Cine Lyan.

 

O Renato e a Dionê deram sua contribuição ao Colégio Estadual e escola Normal Valentim Gentil, como professores de Matemática, o forte dos Brunelli. As aulas do Renato, que me fez começar a gostar da matemática na 3ª série (7ª série de hoje), são pra mim inesquecíveis, pois ele aliava os cálculos, os teoremas, os conceitos complicados da matéria, à realidade da vida, aplicando-os a várias ocorrências de nossa vida prática. Grande mestre, grandes aulas as do Renato!

A família Brunelli continuaria alegre e ruidosa, na sua agitação contagiante, continuaria aquela família incrivelmente unida, não fosse a perda tão prematura de dois dos irmãos: a Ida, que eu achava tão linda, aos 34 anos de idade, deixando viúvo um marido carinhoso e apaixonado como o Fares e órfão o Renatinho, e uma grande saudade em todos nós. O Renato, que havia perdido há poucos dias um grande amigo, o Fouad Mucari, filho do Sr. Elias, irmão do meu querido Emilio, o Fouad perdeu a vida num acidente de avião, quando voltava de Itápolis para Ribeirão Preto onde cursava Odontologia. O professor Renato,  nos explicou, usando a lousa, o traçado daquela fatalidade, o avião do Fouad havia caído por chocar-se com outra aeronave, acidente raríssimo. Pois bem, dois dias depois desta explicação em aula, foi a vez do Renato perder sua vida, dentro do RJJ, o teço-teco azul que pilotou tantas vezes, fazendo piruetas e incríveis acrobacias nos céus da nossa terra. Perdeu-se o Renato, perdeu-se a alegria de todo um bairro e da maravilhosa família Brunelli.