Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Uma Fada que fazia Biscoitos

De vez em quando me bate uma saudade imensa das guloseimas, das comidas, das frutas, dos sorvetes de sabores raros, das coisas enfim com que a gente se deliciava nos tempos da nossa velha Itápolis. Quase tudo era feito em casa, era colhido no quintal, era feito com matéria prima da nossa cidade. E quando eram compradas, mesmo assim eram feitas com o jeitão das coisas que se faziam em casa mesmo. O pão sovado da padaria do Samuel Garnier, com seus gomos arredondados, as brevidades da Dona Maria Santarelli, o picolé de caldo de cana do

"Chiquinho Barbeiro" com personalidades da política de Itápolis

1: Francisco Sendon Garcia, 2: Tarquínio Bellentani, 3: ??, 4: Dr. Francisco José Santarelli, 5: Francisco Almeida França(Chiquinho Barbeiro), 6: Dr. Dante Compagno, 7: Delegado Dr. Geraldo Coelho, 8: Dr. Idiomar Semeghine, 9: ??, 10: Jefferson de Castro Ferraz, 11: ??

Elpídio Fontes, a broa de fubá dos irmãos Cardilli, os quindins e os bom-bocados das irmãs Sene, os tortelli da Dona Filomena, os pães sírios da Dona Maíba,  tudo isto ficou no fundinho do paladar da gente.   As mangas burbom e coração-de-boi do Sr. Garcia, as laranjas seleta e lisa, do Sr. Manginelli, as laranjas baianas da chácara do Marconi, as deliciosas frutas da chácara do Baltazar, as carambolas do quintal do Sr. Zezinho Chammas, as frutas-do-conde do quintal dos Vessoni, tão bonitas e saborosas nunca mais eu vi, em parte alguma por onde andei.

 

Dentre essas delícias se destacam os biscoitos de polvilho da Comadre Vitalina. Será que alguém, além dos seus descendentes, se lembra daquela senhorinha de rostinho enrugadinho e rosado, que se vestia à moda bem antiga, mesmo para aquela época, que passava pela nossa calçada com suas longas saias rodadas, recheadas de saiotes, enfeitadas de sinhaninhas discretas? Aquelas mãozinhas miúdas e delicadas faziam os biscoitos mais crocantes que já pude saborear. Eram brilhantes, reluzentes até, distribuídos em gomos que se uniam formando quadrados que se emendavam. Você olhava praquilo, gente! Era impossível resistir. A comadre Vitalina passava com sua cesta coberta de panos alvos como a neve, escondendo sua obra prima que ia se exibir nos balcões-vitrinas das nossas velhas padarias.  Nossa maior proximidade é que a comadre Vitalina, assim chamada, porque era comadre de Deus e todo mundo, era comadre da minha Vó Nenê, mãe de minha mãe.

O casal Fábio e Débora na comemoração de 70 anos do Aero clube de Itápolis

Não sei bem como se deu esta “comadragem”, me parece que ela foi madrinha de crisma de minha tia Bizuca, mas não tenho certeza. E comadre, naqueles tempos, virava parente, é sim! E a gente olhava praquela fada dos biscoitos como uma espécie de irmã da Vó Nenê. E o Chiquinho “Barbeiro”, como era conhecido o simpático Francisco de Almeida França, também era considerado lá em casa, como uma espécie de primo, para os adultos e de tio, pra nós crianças. Por que isto? Porque ele era filho dela, era fruto dela e tinha seu mesmo sorriso de criança. O Chiquinho tinha um filho de nome Diógenes, que eu me lembro, e um neto

 

que virou piloto internacional, o Fábio, que vem a ser o marido de uma das melhores e mais queridas amigas que eu tenho, mas que nunca vi em pessoa, somente em fotos: a Débora Baggio Zuliani, que vive lá na distante China, minha amiga de Orkut, de Facebook, de MSN, mas que, apesar de todos estes recursos cibernéticos, acaba sendo bisneta por afinidade, da Comadre Vitalina. Quando que aquele moleque que, obedecendo alegremente aos mandos da Dona Bebé,  ia comprar biscoitos de polvilho na chacrinha da Comadre Vitalina, lá pelas bandas da Capela de Nossa Senhora Aparecida, quando que eu  ia imaginar que ela ia ter um neto que cruza os céus deste mundo de Deus, mas que nunca deve ter saboreado um daqueles biscoitos, frutos da magia  daquela fada que fez morada em minha memória e em meu coração!

Olha, Fábio! Se você, que voa nas alturas, uma hora sentir o aroma delicioso de biscoitos de polvilho, pode apostar que você está passando perto dela, no seu cantinho do Ceu!