Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Corpo enxuto x barrigão"

Lendo uma reportagem sobre o alto crescimento dos índices de obesidade infantil em nosso país, me pus a pensar no porque de tamanha diferença diante das crianças de antigamente, quando eram raríssimos os casos de obesidade entre elas. E me pus a comparar a vida de uma criança de hoje com a vida que levava a infância em tempos idos.

Nos velhos tempos, a criança levantava-se, depois de muitas horas de sono, tomava o café da manhã composto de uma xícara de café com leite, pão com manteiga e estava pronto pra pegar sua lancheira e tomar o rumo da escola. Em sua primeira refeição não havia achocolatados, geleias, cereais adocicados e outros complementos que lhe são oferecidos nos tempos atuais. Como poucos tinham carro, e os que o tinham o usavam pouco, o menino, a menina, iam e voltavam a pé de sua escola. Durante o recreio o aluno comia um lanche simples, preparado em casa, brincava de pega-pega, trepa-trepa, batia uma bolinha de meia, enfim, movimentava-se  até o toque do sinal, voltando suado para a classe.

Voltava pra casa, a pé, é bom lembrar, almoçava, geralmente sem refrigerantes nem sobremesas; naqueles tempos a sobremesa só aparecia nos domingos, feriados, dias santos de guarda e os refrigerantes eram servidos em dias de festas, aniversários, batizados, Páscoa, Festas de fim do ano. A comida era preparada com temperos naturais, não havia caldo de galinha, de carne, de legumes, tudo prensado em tabletes, não se sabia da existência de gordura trans, gordura saturada, a maior parte dos alimentos era preparada com gordura animal, (banha de porco, por exemplo), tínhamos pouca variedade em tipos de óleo: o de algodão e o de amendoim.

Depois do almoço a criança ou ia fazer suas tarefas escolares, conforme as determinações dos pais, ou ia brincar, ficando os deveres para o fim da tarde. Ia brincar, mas brincar do que? Os meninos se encontravam com os garotos da vizinhança e variavam seu brinquedo entre jogar bola, soltar papagaio, jogar pião (é pião mesmo que se escreve – peão é domador de montaria). Como veem eram brincadeiras que exigiam movimentos, alguns, como esconde-esconde, pega-pega, pé-na-lata, eram de dar canseira. Brincavam até serem chamados pela mãe, fosse para tomarem banho, fosse para fazerem as lições. Jantavam,  geralmente uma comida mais leve, feita em casa e voltavam pra rua brincar com seus amigos da vizinhança, sempre se movimentando até suarem.

E as meninas? As meninas tinham uma vida bem parecida com a dos meninos. O ritual diário era o mesmo, a alimentação também, raramente andavam de carro; como os meninos, algumas, em menor número, usavam a bicicleta, brincavam com carrinho de rolimãs, com o patinete, coisas que punham o corpo em movimento. A boneca era indispensável, suas formas eram variadas e feitas de materiais diversos; as mais comuns, de baixo custo, eram as de papelão e as de pano. Havia bonecas lindas, de louça ou de porcelana, com olhos que mexiam, piscavam, conforme moviam seu corpo. E todas representavam a criança, desde o bebê, até a menina-moça. Nossas meninas ainda não tinham sido contaminadas pelas Suzies e pelas Barbies, réplicas de criaturas anoréticas que não tiveram infância e não merecem o título de bonecas. A diferença está em que a boneca antiga, de criação e fabricação nacional, quando não caseira, quanto mais simples eram, melhor desenvolviam a criatividade imaginativa das meninas. Enquanto que as anoréticas, pela magreza e pelo estilo “fashion”, já vêm prontas, com versões também prontas para se tornarem enfermeiras, noivas, aeromoças, etc. Sem chance para a imaginação, sem chance para serem vestidas conforme a ideia nascida na mente da sua dona.

Tudo, na vida da criança,  alimentação, ida à escola, brinquedos, brincadeiras, tudo exigia movimentação física, energia imaginativa, Mesmo os brinquedinhos mais simples, como o bambolê, o bilboquê, o macaquinho do trapézio, o cavalo de pau, a borboleta que batia as asas conforme a criança movia a haste de madeira onde vinha presa, a gangorra improvisada, o sapo voador (colocavam um sapo vivo sobre a extremidade de uma tabua disposta sobre uma pedra grande, desciam a marreta na extremidade alta e o sapo era arremessado às alturas, para a diversão da criançada.). Tudo era muito movimentado e não acenava nem de longe para o sedentarismo que afeta a criança de hoje. Tudo estimulava a criatividade, porque nada vinha totalmente pronto.

Alimentação natural e saudável, atividades físicas constantes, fecunda criatividade, ausência do sedentarismo motivado pelos jogos eletrônicos, pelo vício da televisão, do computador, do “tablet”, do celular, maior disciplina imposta pelos pais, como dormir cedo, alimentar-se bem, sem guloseimas artificiais, beber água (tem criança que já esqueceu qual é o gosto da água!)  Eu acho que aí está a diferença!