Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - Aventuras

Há uma semana atrás tive um mal súbito e fui parar na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, uma das casas de saúde mais eficazes e populares deste imenso país, pelo seu atendimento sem burocracia, visando acima de tudo o pronto atendimento a quem a ela socorre e pela qualidade deste atendimento. Mas, o importante é que, ali estando, tive motivos para me lembrar de minha infância e juventude na minha querida terra natal. Desculpem-me a referência mas pela segunda vez, nos meus 78 anos de vida, eu vomitei. Mara, minha esposa, que comigo vive há 41 anos, nunca tinha visto aquilo, por isto contei a ela que foi na minha juventude que tive a primeira e única ânsia de vômito na vida, mas que ficou na ânsia.

Éramos todos jovens, primeira adolescência , anos 46, 47, por aí. Precisávamos experimentar algumas aventuras. Primeiro foi o cigarro. Lembro-me, como se fosse hoje, quando o Eurico Manicardi, filho do dono do Hotel Modelo, se aproximou do nosso grupo, no galpão do Ginásio, e anunciou que tinha conseguido pegar uma carteira de cigarros “Alegria” e se a gente topasse, podíamos dar um jeito de cair fora da escola e nos encontrar no “grão de bico”, uma árvore copada até o chão, que ficava numa quadra limpa perto do Hospital de Misericórdia e onde quem matava aulas costumava se esconder. Cada um arrumou um jeitinho e logo estávamos todos reunidos debaixo do “grão-de-bico”, experimentando o sabor do “Alegria”, que vinha numa carteira retangular, com fundo amarelo e a estampa de uma moça sorridente. Éramos vários os aspirantes a fumantes: o Manicardi, o Baianinho (Geraldo Hauers), o Teodósius Shammas, o Enrique Zabini,  o Ennos de Oliveira, o Estherlino, irmão da dona Zenóbia Costa e eu. O pé de grão-de-bico podia esconder os vultos de todos nós, mas não deu pra abafar a sinfonia de tosse de que fomos acometidos, e logo apareceram o Sr. Miguel Mendes e o Sr. Sebastiãozinho Sene, inspetores de alunos, pra nos dar aquele flagra e nos levar para a Diretoria!

Meses depois resolvemos, em grupo, nos aventurar na bebida! Estávamos gozando as férias de julho, por isto a aventura se deu à tarde. Um solão que Deus mandava e saímos nós em direção ao Campo de Aviação. Pegamos a Florêncio Terra já na Vila Nova, paramos no primeiro empório, um prédio cor-de-rosa na esquina da Floriano Peixoto, onde compramos uma garrafa de Licor de Cacau, que abrimos e dividimos meio copo cada um e seguimos em frente. Já perto do Bambual, entramos da venda do Vicente Granucci, examinamos as prateleiras e tivemos a feliz idéia de escolher um vinho de laranja, que tinha no rótulo a estampa de uma laranja cortada que exibia um brilho alaranjado. Acomodamo-nos por ali, nas mesinhas, nos degraus e saboreamos, em pleno calor das 3 da tarde, o produto etílico da vinícula  Butarello, lá do Quadro.

Tomado o vinho lá seguimos rumo ao Campo de Aviação. Íamos o Estherlino, o Vadinho Monzillo, o Ennos, o Dega da padaria, o Onivaldo Micheletti, o Eurico Manicardi, o Baianinho, o Claudino Veludo, o Teodósius Shammas, o Elio Renesto, o Enrique Zabini e eu.  No meio do caminho topamos com uma goiabeira carregada de frutos ainda começando a amadurecer e atacamos. Aquelas frutas ainda duras, difíceis de mastigar foram logo se misturar com o vinho e o Licor de Cacau. Paramos um tempo no hangar e como não haveria vôo dos teco-tecos naquela tarde, tomamos o caminho de volta.

No caminho da volta, já meio baleados, ainda entramos de novo na venda cor-de-rosa pra tomarmos Licor de Cacau misturado com cachaça. O resultado foi uma ressaca coletiva. Todos nós voltamos pra casa em péssimo estado. Os outros acabaram vomitando e com isto livraram aquele enorme peso do estômago. Mas eu, como nunca vomitava, acabei ficando uma semana de cama, fazendo minha mãe lutar pra eu me reerguer. Nesta quinta feira agora, na Santa Casa, quando por vez primeira consegui vomitar, parecia que estava pondo fora as goiabas verdes do Campo de Aviação.