Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - Famílias Armentano e Mortati

Na minha mais tenra Itápolis, como já disse, as amizades eram um sentimento que se dava tanto no plano individual como no plano coletivo. Eram as amizades entre as famílias, seja por serem vizinhas, seja por serem imigrantes do mesmo país, seja por razões profissionais, a verdade é que as famílias se uniam por profundos e duradouros laços de amizade.

Na semana passada falei da família Vessoni, família numerosa, gente expansiva, de intensa vida social, que tinham a casa sempre cheia de amigos, famílias inteiras. Antes de falar da família que vou descrever hoje, preciso lembrar que as Vessoni, como eram chamadas as ainda solteiras, tinham intensa vida social, destacando-se nos bailes e no carnaval. E uma delas era das primeiras e raras “chauffeuses” (feminino de “chauffeur”, palavra francesa que designava o motorista de automóveis, ônibus, caminhões). E dirigia muitíssimo bem, viajava dirigindo de Itápolis a São Paulo, pelas antigas estradas de terra, como atos de rotina.

Mas eu falava dos meus vizinhos, os da direita, da esquerda, dos fundos, não eram muitos porque as antigas casas de família eram construídas em terrenos enormes, perto dos de hoje. Raramente deixavam de ter jardim na frente ou na lateral, e imensos quintais, cheios de árvores frutíferas. E justamente uma destas casas raras, sem jardim na frente, era a dos nossos vizinhos da esquerda. A casa dos Armentano ficava anexa e atrás do armazém que ocupava a esquina da Av. Francisco Porto com a Rua Ricieri Antônio Vessoni (antiga 13 de maio). Você entrava na casa da dona Filomena por um portão de madeira e caminhava debaixo de uma enorme parreira de uvas brancas e pretas, até sua varanda de entrada. Era uma casa super-confortável, ampla e, principalmente, muito acolhedora. Dona Filomena, uma italiana muito simpática, afetuosa e dinâmica, transitava por aquela varanda indo da sala para a cozinha, dominadora que era de seu “território”. E não era só ali que o domínio daquela mulher extraordinária se mostrava: depois de cuidar dos afazeres domésticos, dona Filomena ia para a calçada que levava ao armazém pra dar uma mão e uma olhada de vigilante no trabalho de comerciante do “seu” Luciano, um italiano robusto, de vastos bigodes brancos, bonachão e dedicado, que comandava a Casa Armentano, armazém de secos e molhados, e o Posto Atlantic, do outro lado da esquina. Nada escapava à fiscalização de Dona Filomena. Ali ela ouvia os empregados, os fregueses, examinava a escrita e o caixa. Nada escapava ao seu controle.

A família Armentano, ao contrário da dos Vessoni, dos Monzillo, dos Brunelli e tantas outras famílias de origem italiana, a família Armentano não era numerosa. “Seu” Luciano e dona Filomena tinham apenas duas filhas:  a dona Margarida e a dona Marietta! Dona Margarida era casada com um descendente de portugueses, o Sr. Jorge Marques e morava com seus filhos Rosinha, Dorinha, Toti e Luciano, numa casa da rua José Bonifácio (José Trevisan atual) próxima à Av. Campos Salles. Cresci com aquelas meninas que mais pareciam minhas irmãzinhas. E lembro-me ter chorado muito quando dona Margarida e toda a família mudaram-se para a longínqua Araçatuba, onde tiveram mais um menino, que mal pude conhecer.

Já a Dona Marietta, com a graça de Deus viva até hoje, casou-se com um italiano que tinha ligações sanguíneas com albaneses, o Sr. Angelo Mortati, que por muitos anos foi “viajante”, representante de grandes firmas da época. Dona Marieta morava na mesma casa em que mora hoje, na Ricieri Antônio Vessoni, logo abaixo do Posto Atlantic, hoje desativado, mas em pé, como um verdadeiro monumento à Dona Filomena. Quando vou a Itápolis e passo a maior parte do meu tempo naquele pedaço em que nasci e cresci, ali na casa de minha irmã Maria Isabel, toda vez que olho praquele posto parece que estou vendo Dona Filomena conferindo as bombas, ou “Seu” Luciano sentado num dos barris de gasolina, como era seu costume.

Dona Marietta e “Seu” Mortati tiveram a Lourdinha, a Ida, a Emilia, o Nicola, o Miguel e a Cristina, gêmeos.  O Nicola formou-se médico e atuava aí  na cidade quando teve a vida ceifada prematuramente, assim como a Lourdinha, que já era viúva do meu amigo de juventude, o Ildenor Semeghini, falecido jovem ainda, também ela viajou “antes do combinado”, como diz o simpático Boldrin.

Dona Filomena, além de ser uma amiga com quem se contava sempre, era uma  mulher dinâmica, cozinheira de mão cheia, fazia um tortei recheado de abóbora que nunca mais conheci tão gostoso, além dos pães, roscas e outras guloseimas com que brindava a criançada do pedaço.

Dona Marietta, nos seus vividos 97 anos, lúcida e saudável como está, tem muito mais histórias desta família querida da gente, pra contar.