Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Amigos e Apelidos

Q

Nas cidades médias como nossa Itápolis, assim como nas pequenas, o convívio mais estreito entre os moradores acaba tornando a vida mais alegre e descontraída. Muitos fatores contribuem para que os moradores fiquem longe do estresse, da depressão, do mau humor constante. Veja como você leva sua vida aí na nossa terra, venha passar uns dias em São Paulo e você há de sentir a grande diferença.     

Na minha mais tenra Itápolis, que naqueles anos 30, 40, 50 era bem menor que hoje, o convívio era pacífico, harmonioso, bem humorado. A gente não se preocupava em decorar os nomes das ruas, a gente as identificava pelos seus moradores mais conhecidos, ou mais importantes, ou mais populares. Em vez de dizer “ele mora na rua Padre Tarallo” a gente dizia “ele mora na rua da Pensão Mogiana, vizinho da esquerda do Guilherme Marconi”. A pessoa do cidadão é que servia de referência. Outros pontos de referência garantidos eram o Hospital de Misericórdia, a Caixa d’Água, o Bambual (na saída pra Borborema), o Matadouro (na saída de Ibitinga), o Correio, a Cadeia Pública, as escolas, as máquinas de beneficiar café, algodão, arroz. As placas de rua viviam tristes e desprezadas, os números das casas, afixadas em suas fachadas, a gente nem olhava. A gente sabia onde morava todo mundo. Isto facilitava demais a vida de todos.

Agora vou dizer uma coisa: a vida era muito mais divertida! A gente vivia com um sorriso nos lábios. Ser rico ou ser pobre, ser importante ou simples cidadão, em nada isto tirava nossa alegria de viver. Ninguém passava indiferente diante de um mortal que se machucasse, logo várias pessoas se apresentavam para socorrer, para ajudar a carregar se fosse o caso. Isto dava pra gente uma sensação de segurança, de estar entre pessoas solidárias. Os nomes completos das pessoas, nem pensar! A maioria tinha apelido, ou abreviação do nome. Uns ganhavam o tratamento por causa da profissão, o João Torneiro, o Chico Barbeiro, a Éddia cabeleireira e por aí afora. Outros eram tratados por suas características físicas, o Tonhão (Scaramuzza), grandalhão, o Zé Bacalhau, nem preciso explicar, a Maria Bunduda, também não. Itápolis daquela época era rico em apelidos, quero destacar alguns, nesta crônica .

O Dine Ideal era de propriedade do tio da Ondina Polachini, a gamação do Laerte

O Geraldo Galatti, filho do Sr. Nicolino, nosso inspetor de alunos, tinha o apelido de Barola. E como ele costumava inventar muitas histórias a palavra “barola” passou a ser sinônimo de balela, de mentira e criaram até o verbo “barolar”, “Larga de barolar, rapaz!” Ou “Tudo barola, não acredite!”  O Geraldo Catingudo pegou este apelido porque quando meninão soltava muito pum na escola. Cresceu, não soltou mais pum, mas o apelido ficou.  Já o Laerte Mendes, filho do Sr. Miguel e de dona Rosa Tarallo Mendes, pegou o apelido de Pola. A coisa começou entre seus colegas, se manifestava durante os jogos de basquete e de vôlei femininos, na quadra do velho ginásio. Os seus colegas de torcida de repente começavam a gritar “Pola”, ninguém sabia por que. Se você lhes perguntasse, tratavam de despistar. Na verdade, Pola era a redução do sobrenome de uma das jogadoras, a Ondina Polachini, sobrinha do dono do Cine Central, que veio morar com os tios para estudar entre nós. E os colegas do Laerte perceberam que ele estava gamado na menina. Agora vejam como pensavam e agiam os jovens daquela época! A brincadeira nasceu e morreu entre eles, não comentavam com os de fora do grupo, não explicavam, para não cometerem um ato de desrespeito com uma colega de escola, com a sobrinha de um cidadão respeitável. E o mais engraçado desta história é que o irmãozinho do Laerte, o Laércio, ganhou o apelido de Polinha, eram os dois, o Pola e o Polinha.

Muitos eram os apelidos, mas um que me chamou atenção, ainda eu criança, foi o seguinte. Havia uma grande serraria em Itápolis, funcionava numa quadra próxima do campo do Oeste F.C. Meu pai me dava um saco de estopa e ordenava: “Vai lá na Serraria do Nenê Cavalieri e pede pra ele me mandar um pouco de pó-de-serra. Pra mim, o dono daquela serraria que me fascinava, chamava-se Nenê Cavalieri, com direito a nome e sobrenome, italiano por sinal. Eu tinha um coleguinha na escola da dona Mazé que tinha o apelido de Zoca e era filho do Sr. Nenê Cavalieri. Pra mim ele era o Zoca Cavalieri, oras! Até o dia em que, já no Grupo Escolar, a professora, fazendo a primeira chamada, dizia o nome completo do aluno e cada um se levantava para que ela o identificasse. A uma certa altura da chamada ela diz: “José Clemente Neto”, e quem se levanta? Quem? O Zoca. Fiquei super intrigado e no recreio corri perguntar-lhe: “Ué, você não é filho do Nenê Cavalieri, lá da Serraria?” E ele explicou: “O nome verdadeiro do meu pai é José Clemente Filho. Nenê Cavalieri era o antigo dono da serraria onde meu pai trabalhava. Todo mundo dizia “esta tábua foi aparada lá no Nenê Cavalieri, vou comprar uns sarrafos lá no Nenê Cavalieri. O verdadeiro Nenê morreu, meu pai ficou com a Serraria e herdou também o nome dele”. Um grande abraço para o Zoca, que é Clemente mas não perde o Cavalieri.